AĂ§Ă£o de cidadania da DPE alcança 300 indĂ­genas kokamas em Manaus

Conforme a defensoria, dentre os serviços prestados, a agenda focou, principalmente, na viabilizaĂ§Ă£o do acesso gratuito Ă  certidĂ£o de nascimento

AĂ§Ă£o de cidadania da DPE alcança 300 indĂ­genas kokamas em Manaus

Publicado em: 20/10/2024 Ă s 09:33 | Atualizado em: 20/10/2024 Ă s 09:33

A Defensoria PĂºblica do Amazonas (DPE-AM) realizou neste sĂ¡bado (19) um mutirĂ£o de averbaĂ§Ă£o (ato de registrar ou modificar dados, ou estado em um registro jĂ¡ existente) voltado a indĂ­genas da etnia kokama.

A aĂ§Ă£o de cidadania que integra as atividades do NĂºcleo Especializado na Defesa dos Direitos dos Povos IndĂ­genas e Comunidades Tradicionais e do projeto Defensoria Itinerante, foi realizada no Centro de Atendimento aos Moradores, rua Menandro TapajĂ³s, bairro ColĂ´nia AntĂ´nio Aleixo, zona leste de Manaus.

Conforme a defensora pĂºblica Daniele Fernandes, dentre os serviços prestados, a agenda focou, principalmente, na viabilizaĂ§Ă£o do acesso gratuito Ă  certidĂ£o de nascimento retificada com averbaĂ§Ă£o dos dados indĂ­genas, como a inclusĂ£o da etnia, alcançando cerca de 300 indĂ­genas durante a aĂ§Ă£o, articulada pela AssociaĂ§Ă£o de Moradores Kokama da Aldeia SumaĂºma Vermelha e pela Secretaria Municipal da Mulher, AssistĂªncia Social e Cidadania (Semasc).

“Essa Ă© uma aĂ§Ă£o que visa a inclusĂ£o do nome do povo, que no caso Ă© o kokama. Estamos atendendo tambĂ©m alguns muras, pra inclusĂ£o do nome desse povo ou sobrenome. E tambĂ©m averbaĂ§Ă£o de algumas informações sobre os dados indĂ­genas dessa pessoa, como naĂ§Ă£o, como autodeclaraĂ§Ă£o indĂ­gena na parte das observações da certidĂ£o de nascimento”.

Ela acrescentou:

“Isso Ă© importante para que se assegure direitos. Embora nĂ£o seja um ato constitutivo, nĂ£o Ă© a declaraĂ§Ă£o de nascimento que faz aquela pessoa ser indĂ­gena, Ă© a autodeclaraĂ§Ă£o e reconhecimento pelos seus pares, mas ainda assim a gente sabe que isso Ă© necessĂ¡rio pra obtenĂ§Ă£o de alguns direitos, por exemplo, pra concorrer a cotas indĂ­genas”.

Momento esperado

Com olhos atentos e focada, a cacica da comunidade SumaĂºma Vermelha, Ione Kokama fez questĂ£o de auxiliar na atividade, encaminhando os parentes que chegavam para o atendimento.

“É um grande prazer receber a defensoria nesse dia tĂ£o especial para o nosso povo originĂ¡rio. É uma aĂ§Ă£o que a gente tanto esperou e a Defensoria estĂ¡ trazendo a primeira aĂ§Ă£o para prĂ³ximo do nosso povo. EntĂ£o, o que eu quero dizer de coraĂ§Ă£o, sĂ³ gratidĂ£o, porque Ă© um momento muito marcante para nĂ³s, indĂ­genas de contexto urbano. Regularizar os nossos documentos, botar a nossa etnia na nossa certidĂ£o de nascimento, fazer essa averbaĂ§Ă£o. Foi uma luta muito grande e ter a defensoria do nosso lado Ă© uma grande vitĂ³ria para nĂ³s”.

Compartilhando a celebraĂ§Ă£o da conquista, estĂ¡ a dona Elissandra Silva de 36 anos. Casada com um kokama, ela conta que viu na aĂ§Ă£o, uma oportunidade de regularizar a situaĂ§Ă£o dos cincos filhos. Acompanhando o marido durante o atendimento, ela contou que o mutirĂ£o veio na hora certa.

“A gente agarrou essa oportunidade e viemos para tirarmos a certidĂ£o e poder acrescentar o kokama no nome dos meus filhos, poder assinar e poder relatar que esse povo ainda estĂ¡ vivo e forte. Isso Ă© motivo de orgulho, de poder declarar onde for, que minha famĂ­lia Ă© kokama”.

Reconhecimento

Aos 62 anos, dona Maria Auxiliadora, com ascendentes da etnia kokama, conta que demorou para entender a importĂ¢ncia do reconhecimento da ancestralidade. Segundo ela, hĂ¡ pelo menos 4 anos sua postura mudou ao perceber como a pauta Ă© relevante para a formaĂ§Ă£o da identidade e pertencimento.

“Eu era muito novinha, eu nunca quis saber, e tirei meus documentos normais, depois eu vi que nĂ£o era esse o caminho, jĂ¡ que eu tenho uma origem, eu vou buscar, eu vou atrĂ¡s e desde entĂ£o venho buscando por isso. Cheguei cedo para ser uma das primeiras a ser atendida e hoje eu consegui, tĂ¡ tu encaminhado. Sou Maria Auxiliadora da Silva Kokama”.

Vinda do ramal Terra Preta, na rodovia AM-10, quilĂ´metro 145, a integrante da comunidade SumaĂºma Vermelha, dona Val Lima tambĂ©m foi em busca de fazer a averbaĂ§Ă£o. Acompanhada dos filhos e mais 15 pessoas da comunidade, dona Val era sĂ³ alegria enquanto esperava para ser atendida.

“TĂ´ esperando minha vez, jĂ¡ tinha tentado antes, mas nĂ£o consegui. NĂ³s indĂ­genas, encontramos muitas portas fechadas e ficamos a ver navios, mas agora eu vejo que todos estĂ£o conseguindo e estamos felizes por isso, de estar aqui neste momento.”

NĂºcleo especializado

Lançado no dia 19 de abril deste ano, o NĂºcleo Especializado na Defesa dos Direitos dos Povos IndĂ­genas e Comunidades Tradicionais conta com quatro Defensorias Especializadas, localizadas nos polos do Alto Rio Negro, MauĂ©s, Purus e Solimões, que atuam de forma estratĂ©gica com outras unidades da DPE-AM em todo o Amazonas. A defensora Daniele Fernandes, do polo de MauĂ©s, Ă© a coordenadora do nĂºcleo.

O nĂºcleo tem atribuiĂ§Ă£o temĂ¡tica para atuar nas demandas individuais ou coletivas, em casos de proteĂ§Ă£o dos territĂ³rios tradicionais, demarcaĂ§Ă£o de terras indĂ­genas, gestĂ£o ambiental e territorial; saĂºde indĂ­gena; educaĂ§Ă£o escolar indĂ­gena e sistemas de educaĂ§Ă£o de territĂ³rios tradicionais; identidade e pertencimento Ă©tnico para fins de acesso Ă  documentaĂ§Ă£o civil; processos criminais contra acusados indĂ­genas ou pertencentes a comunidades tradicionais nos quais os usos, costumes, sĂ­mbolos e tradições das comunidades sejam determinantes para anĂ¡lise de mĂ©rito e o exercĂ­cio pleno da ampla defesa e do contraditĂ³rio; direitos de pessoas indĂ­genas encarceradas; entre outros.

Defensoria Itinerante

O projeto Defensoria Itinerante foi criado em 2015 para levar atendimento jurĂ­dico para a populaĂ§Ă£o das diversas zonas de Manaus e dos municĂ­pios que necessitam de acesso gratuito Ă  Justiça. O projeto Ă© coordenado pelo defensor Danilo Germano.

“Essa aĂ§Ă£o do nĂºcleo em cooperaĂ§Ă£o com o itinerante da defensoria Ă© muito eficaz. E a criaĂ§Ă£o do nĂºcleo, eu acredito que tenha sido um ganho pra Defensoria e para os assistidos como um todo, porque traz esse olhar especializado. Muito embora a Defensoria jĂ¡ atue desde o seu do seu nascedouro com populações indĂ­genas de forma maestral, a criaĂ§Ă£o do nĂºcleo fortalece essa atuaĂ§Ă£o que os colegas jĂ¡ vinham fazendo e traz uma especializaĂ§Ă£o no tema”, disse Daniele.

Aos que precisam de atendimentos coletivos voltados ao tema, podem entrar em contato com o nĂºcleo especializado pelo endereço eletrĂ´nico [email protected]. Aos que buscam resoluĂ§Ă£o de modo individual, basta ir atĂ© a DPE para obter todas as orientações.

“Individualmente, esse atendimento continua sendo feito na DPE para quem mora em Manaus, pela defensoria de registros pĂºblicos. Se alguma liderança, associaĂ§Ă£o, queira verificar a possibilidade da realizaĂ§Ă£o desses mutirões de atendimento, aĂ­ pode entrar em contato pelo nosso e-mail, mas individualmente, somente procurando pelo atendimento da defensoria de registros pĂºblicos mesmo”, disse a defensora.

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Foto: MĂ¡rcio Silva/DPE