Amazônia: ‘Precisamos de ponto de parada, não de partida’, diz Marina

Ela preconizou o pensamento na terça-feira, dia 22, em palestra que fez na capital do Amazonas.

Amazônia: 'Precisamos de ponto de parada, não de partida', diz Marina

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 24/07/2025 às 06:46 | Atualizado em: 24/07/2025 às 07:39

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse em Manaus que a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30) precisa ser compreendida como ponto de parada para a ressignificação do jeito de pensar, viver e fazer dos seres humanos.

Ela participou, como conferencista, do 3º Congresso Internacional de Educação Ambiental dos Países e Comunidades de Língua Portuguesa e Galiza, realizado na capital do Amazonas neste dia 22 de julho.

Esse entendimento vem, segundo Marina, da designação de “ponto de parada” para o percurso que “o pessoal da educação ambiental” brasileira fará até a COP-30, marcada para o período de 10 a 21 novembro, em Belém, no Pará.

Em primeiro momento, admite a ministra, essa assertiva pode soar estranho, porque o mais comum para se iniciar uma caminhada é o ponto de partida.

“Mas, o mundo está precisando de um ponto de parada, porque ele está vivendo um momento de aceleração de destruição da natureza, das relações, dos laços e das identidades”.

Ela reconhece que a tecnologia é importante, mas de alguma forma, “a máquina, a inteligência artificial e o algoritmo podem estar produzindo um outro tipo de ser humano que nós ainda nem sabemos o que é”.

Sobre esse tema, Marina revelou que sugeriu a James Cameron, diretor e produtor do filme “Avatar” (2009), que produza um filme de ficção, no qual as tecnologias e as ciências, que podem ser boas para muitas coisas, criassem um deslocamento [ou uma nova forma civilizatória].

“Temos os povos originários, que são uma frequência e uma forma civilizatória, com um jeito de ser e estar no mundo que preserva a natureza. Nos descolamos [dessa frequência] e [agora] sabemos o que está acontecendo com a natureza de bom e de ruim, e com a gente mesmo”.

E a tecnologia cinematográfica, para a ministra, poderia produzir “um terceiro deslocamento”, porque há pessoas que prefeririam ser comunidade tradicional a ser comunidade moderna.

“Gostariam, por exemplo, de passar o fim de ano juntos, levar a cada um a sua comida na mesa, que ficaria maravilhoso”.

A proposta ficcional se justifica, na opinião da ministra, porque as pessoas de hoje, nesse novo mundo que se desenha, teriam dificuldades de viver.

“Seríamos povos tradicionais, iríamos aprender a sobreviver com os indígenas. Como foi que eles sobreviveram a nós? Nos ensinem a sobreviver como vocês sobreviveram a nós!”.

Marina reforçou que vai insistir na proposta a Cameron como um gesto de esperança na arte.

“A arte nos ensina muita coisa e a educação ambiental trabalha com os elementos da arte, da ficção, das ciências”.

Enquanto as ciências modernas têm lastro nos postulados denotativos, ela enfatiza que as ciências dos povos originários têm base no saber narrativo e, por isso, são também ciências altamente complexas.

A título de ilustração, a ministra lembrou que tinha um tio mateiro, que é um geógrafo, um biólogo, um especialista que aprende na sua relação com a floresta.

“O meu tio era xamã e mateiro. Quando uma pessoa se perdia na floresta, chamava-se o mateiro, ele ia para o terreiro, sentia o cheiro, a direção do vento, escutava uma coisa que ninguém escutava e dizia: ‘É para procurar naquela direção’. E as pessoas iam naquela direção e achavam a pessoa”.

O mateiro e o xamã, para ela, exercem a ciência da direção que o mundo hoje precisa.

“Não a direção de quem manda, mas a de quem percebe, ouve e compreende”.

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Mundo acelerado

O ponto de parada, conforme a ministra, se contrapõe ao ponto muito acelerado que “estamos vivendo, por isso estamos fazendo paradas”.

Ela citou como referência de pontos de paradas várias ações:

  • a 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente e o Encontro de Educação Ambiental dos países de língua portuguesa, que são eventos preparatórios para a COP-30;
  • a reciclagem, que ensina a comunidade como mudar a sua relação com a natureza e o apoio da conferência ao multilateralismo da educação ambiental.

A ministra, originaria da Amazônia, avaliza que todas essas ações poderão influenciar a COP-30, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção da Desertificação.

COP-92

A ministra lembrou que a carta da terra, as convenções do clima, da biodiversidade e da desertificação são frutos da COP-92, no Rio de Janeiro.

“Saímos munidos para enfrentar a crise e não a enfrentamos e o que dizíamos que ia acontecer no futuro, já aconteceu”.

Por isso, Marina insiste que é necessário um ponto de parada que se possa compreender o que Aílton Krenak chama de “adiar o fim do mundo” e Davi Kopenawa “a queda do céu”.

“Os povos indígenas são especialistas em adiar o fim do mundo. O Davi Kopenawa diz que temos que evitar a queda do céu. Então, com quem vamos aprender? Fazendo um ponto de parada para além de nós mesmos”.

Krenak e Kopenawa estão entre os pensadores e escritores indígenas que fazem as suas reflexões a partir de experiências com a natureza e dos ensinamentos cosmológicos dos seus povos.

Em ambos há a preocupação com o avanço do modo de produção dos brancos na direção da destruição da vida no planeta e, consequentemente, da extinção do mundo.

Excessivamente narcisista, Marina afirmou concordar com o cientista brasileiro Carlos Nobre quando ele esclarece que “somos extremamente narcisistas”, por meio deste exemplo:

“Se faço caixote de madeira, nem penso que nele existe uma árvore que pode ter 700 anos de idade, que ela é mais velha que o meu país, naquilo que concerne o momento que os portugueses encontraram – poderia ter sido um encontro – os povos indígenas aqui”.

Ainda se referindo a Nobre:

“Então, ele diz o seguinte: se o celular cair, a gente vira, imediatamente, um jogador de basquete, a gente se atira e pega o celular, mas se a gente vê uma barata, uma complexidade biológica incrível que sobreviveu a milhares e milhares de anos, o que a gente faz com a barata? O nosso narcisismo valoriza o caixote e não a árvore, valoriza o celular que é, incomparavelmente, menos complexo que a barata e bota o pé em cima dela”.

É esse narcisismo que, na opinião de Marina, precisa de cura.

Foto: Rafael Fialho/MMA