BR-319 Ă© vetor de destruiĂ§Ă£o da AmazĂ´nia, aponta artigo

Um alerta cientĂ­fico enfatiza a urgĂªncia de interromper a destruiĂ§Ă£o na AmazĂ´nia e inclui a pavimentaĂ§Ă£o da BR-319 como um fator de destruiĂ§Ă£o.

Governo Lula, enfim, cria grupo de trabalho da BR-319

Publicado em: 27/02/2024 Ă s 11:56 | Atualizado em: 27/02/2024 Ă s 11:57

Um artigo publicado na revista cientĂ­fica Nature, uma das mais respeitadas em todo o mundo, por Lucas Ferrante e Guilherme Becker, pesquisador e microbiologista da Penn State University (EUA), aponta uma “urgĂªncia cientĂ­fica” de deter a construĂ§Ă£o de novas estradas que “vĂªm alimentando o desmatamento” na AmazĂ´nia, com destaque para a rodovia BR-319, bem como os projetos de exploraĂ§Ă£o de combustĂ­veis fĂ³sseis na regiĂ£o.

Segundo os autores, embora o discurso do presidente Lula na COP28 tenha gerado esperanças na comunidade internacional, suas ações subsequentes revelam uma flagrante “hipocrisia ambiental”. A pavimentaĂ§Ă£o da BR-319 e a exploraĂ§Ă£o de petrĂ³leo na AmazĂ´nia representam um ataque Ă  floresta tropical e ao planeta como um todo.

Desmatamento e mudanças climĂ¡ticas

Para eles, remetendo Ă  ciĂªncia, a pavimentaĂ§Ă£o da BR-319 intensificarĂ¡ o desmatamento, impulsionando as mudanças climĂ¡ticas. A revista Science a classificou como um dos principais catalisadores da devastaĂ§Ă£o na AmazĂ´nia. A floresta, crucial para a regulaĂ§Ă£o do clima global, estĂ¡ em um ponto crĂ­tico de irreversibilidade. O aumento do desmatamento a empurrarĂ¡ para um colapso irreversĂ­vel, com consequĂªncias devastadoras para o planeta.

Riscos Ă  saĂºde

Eles apontam que a BR-319 nĂ£o Ă© apenas uma ameaça ambiental, mas tambĂ©m Ă  saĂºde pĂºblica. A floresta abriga “patĂ³genos letais” que, ao serem liberados pela devastaĂ§Ă£o, podem se espalhar facilmente em um contexto de mudanças climĂ¡ticas. Isso aumenta o risco de epidemias e pandemias, potentially even more severe than COVID-19.

Fundo AmazĂ´nico

A destinaĂ§Ă£o de recursos do Fundo AmazĂ´nico para a BR-319 Ă© um desvio de finalidade e uma traiĂ§Ă£o aos doadores que acreditam na proteĂ§Ă£o da floresta. O governo brasileiro estĂ¡ usando recursos destinados Ă  preservaĂ§Ă£o para financiar sua destruiĂ§Ă£o.

Hipocrisia e irresponsabilidade

As ações no governo Bolsonaro demonstram uma total falta de compromisso com o meio ambiente e com as metas climĂ¡ticas internacionais. O Brasil, ao invĂ©s de assumir seu papel de liderança na proteĂ§Ă£o da AmazĂ´nia, estĂ¡ se tornando um pĂ¡ria ambiental.

Reverter as decisões

É urgente que o governo brasileiro reverta suas decisões e priorize a preservaĂ§Ă£o da AmazĂ´nia. A comunidade internacional deve pressionar o Brasil a abandonar a BR-319 e os projetos de exploraĂ§Ă£o de petrĂ³leo na floresta. Proteger o meio ambiente nĂ£o Ă© uma opĂ§Ă£o, mas uma necessidade vital para o futuro do planeta.

O artigo conclui que o governo brasileiro precisa ser responsabilizado por suas ações e o projeto da BR-319 precisa ser barrado. A comunidade internacional deve se unir para proteger a AmazĂ´nia e exigir do Brasil um compromisso real com a preservaĂ§Ă£o do meio ambiente.

Artigo

De acordo com Guilherme Becker, a rodovia BR-319 nĂ£o sĂ³ pode facilitar a transmissĂ£o de vĂ­rus, bactĂ©rias, prĂ­ons e fungos da floresta para os humanos, criando potencialmente novas epidemias e pandemias, mas tambĂ©m pode contribuir para a disseminaĂ§Ă£o de patĂ³genos jĂ¡ existentes entre a vida selvagem na AmazĂ´nia.

A abertura de estradas na regiĂ£o serve, por exemplo, como meio de propagaĂ§Ă£o do Batrachochytrium dendrobatidis, um patĂ³geno letal para anfĂ­bios, classificado como o mais devastador entre vertebrados, mostra um estudo liderado por Becker e publicado na revista especializada Ecography.

Outra pesquisa, conduzida no Centro de Microbioma One Health da Penn State University e publicada recentemente na revista Ecology Letters, demonstrou que o aumento das secas afeta diretamente a microbiota da pele dos sapos, tornando-os mais suscetĂ­veis aos efeitos nocivos do Batrachochytrium dendrobatidis.

Considerando as mudanças climĂ¡ticas na AmazĂ´nia, incluindo a grave seca de 2023 e as projeções futuras, a pavimentaĂ§Ă£o da BR-319 poderia desencadear uma perda sem precedentes de biodiversidade, especialmente afetando os anfĂ­bios, que desempenham um papel crucial no controle de pragas agrĂ­colas e de vetores de transmissĂ£o de doenças para os humanos

Becker ressalta que abrir essa Ă¡rea da floresta poderia resultar em saltos zoonĂ³ticos com consequĂªncias potencialmente catastrĂ³ficas, cujas dimensões ainda sĂ£o difĂ­ceis de prever.

O jornal Regional Environmental Change, em 2021, ressaltou a falta de capacidade do Amazonas e do Brasil em lidar com uma pandemia decorrente da degradaĂ§Ă£o ambiental, enfatizando a necessidade de os polĂ­ticos e o judiciĂ¡rio considerarem as recomendações cientĂ­ficas.

Existe um consenso nas pesquisas cientĂ­ficas de que a pavimentaĂ§Ă£o da rodovia BR-319 serĂ¡ inviĂ¡vel e terĂ¡ impactos abrangentes na AmazĂ´nia, com repercussões globais, e a responsabilidade recairĂ¡ sobre o presidente Lula e seu governo se derem continuidade a estes planos.

Apesar da queda do desmatamento na AmazĂ´nia decorrente do aumento das fiscalizações realizadas pelo governo Lula, essas ações por si sĂ³ nĂ£o sĂ£o suficientes para proteger o bioma, como apontou uma publicaĂ§Ă£o no periĂ³dico Nature Human Behaviour. O parecer destaca que o governo tambĂ©m deve rever grandes empreendimentos com potencial de levar a AmazĂ´nia ao colapso, ressaltando que gestões anteriores do PT (Partido dos Trabalhadores) ignoraram as recomendações de cientistas, como foi o caso da hidrelĂ©trica de Belo Monte.

Embora a BR-319 nĂ£o tenha entrado como uma prioridade nas obras do PAC, conforme noticiado no inĂ­cio de fevereiro, o empreendimento segue entre os projetos estratĂ©gicos do Plano Regional de Desenvolvimento da AmazĂ´nia (PRDA) para o perĂ­odo de 2024 a 2027.

É imperativo que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pressione o Ibama para suspender imediatamente todas as licenças de manutenĂ§Ă£o e pavimentaĂ§Ă£o da BR-319, enquanto o judiciĂ¡rio e o governo brasileiro devem intervir para evitar essa catĂ¡strofe, assim como a exploraĂ§Ă£o de petrĂ³leo na bacia AmazĂ´nica

Suspender o projeto da BR-319 serĂ¡ um marco no compromisso ambiental do Brasil com as metas climĂ¡ticas globais, a preservaĂ§Ă£o do meio ambiente e a saĂºde pĂºblica mundial. Caso o projeto siga em frente, os nomes dos responsĂ¡veis por permitir os desdobramentos dos impactos da pavimentaĂ§Ă£o da BR-319 e a exploraĂ§Ă£o de petrĂ³leo na bacia AmazĂ´nica devem ser lembrados na histĂ³ria como aqueles que estavam cientes das consequĂªncias, mas optaram por permitir o inĂ­cio da prĂ³xima pandemia global.

A decisĂ£o de pavimentar essa estrada rumo ao desastre ou garantir o bem-estar global estĂ¡ nas mĂ£os do presidente Lula, da ministra do Meio Ambiente Marina Silva e do judiciĂ¡rio brasileiro. Como afirmou a revista Nature em 30 de janeiro de 2024, a proteĂ§Ă£o do meio ambiente Ă© uma decisĂ£o embasada na ciĂªncia e nĂ£o deve ser objeto de negociaĂ§Ă£o.

*Lucas Ferrante é formado em ciĂªncias biolĂ³gicas pela Unifal (Universidade Federal de Alfenas), mestre e doutor em biologia (ecologia) pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da AmazĂ´nia), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporĂ¢neas da AmazĂ´nia, dinĂ¢micas epidemiolĂ³gicas, impactos sobre os povos indĂ­genas e mudanças climĂ¡ticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.

Leia mais no UOL

Foto: reproduĂ§Ă£o