Casarão de Itacoatiara chama atenção pela arquitetura alemã

O prédio foi concluído em 1903, durante o auge do ciclo da borracha, iniciado em 1877 e que durou até 1920

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 20/07/2025 às 10:10 | Atualizado em: 20/07/2025 às 10:10

Quem desce ou sobe o rio Amazonas no trecho Parintins-Manaus dificilmente não se surpreende com a arquitetura destoante do casarão centenário edificado na orla de Itacoatiara, perto do porto.

É difícil, entretanto, encontrar alguém por perto que conheça a sua história, a qual se confunde com a do comércio entre a Amazônia e a Europa, a partir do final do século 19 e a segunda década do século 20.

O prédio ficou pronto em 1903, 26 anos após o marco histórico inicial do período pujante da economia da borracha em 1877, que vem até 1920.

A companhia alemã Kani Pollack foi quem o construiu para abrigar uma loja de produtos e equipamentos agropastoris.

Os alemães faliram em 1915 e o venderam a Óscar Maria de Oliveira Carneiro Ramos, natural de Ovar, região próxima à cidade do Porto.

Antes de vir para o Amazonas esteve em Belém, onde desempenhou a sua função de especialista em reconhecimento de pedras preciosas para importadores europeus e exportadores do antigo Grão-Pará.

Casado com Ida Brazão Antunes, uma das filhas do casal José Joaquim-Catharina Brazão Antunes – ele vice-cônsul de Portugal em Itacoatiara –, o casalo teve nove filho(a)s:
1.⁠ ⁠Ida Antunes Ramos (1910-1987)
2.⁠ ⁠Oscar Antunes Ramos (1911-1968)
3.⁠ ⁠Elza Antunes Ramos (1914-1997)
4.⁠ ⁠Ilídio Lisboa Antunes Ramos (1915-1988)
5.⁠ ⁠Luso Antunes Ramos (1920- 1938)
6.⁠ ⁠Antonio Antunes Ramos (1923-1993),
7.⁠ ⁠José Manuel Antunes Ramos (1924-1991)
8.⁠ ⁠Maria Amélia Antunes Ramos
9.⁠ ⁠Armindo (Bob) Antunes Ramos.

Até hoje o prédio pertence à família Ramos, formada por netos de Óscar Ramos e Ida e seus descendentes. Os netos são: Oscar Ramos (filho de Antunes Ramos), artista gráfico e visual, roteirista de cinema e teatrólogo; Antônio Francisco Ausier Ramos (filho de Antonio Antunes Ramos, produtor cultural); Maria Amélia Ramos, enfermeira; e Manuela Ramos (filhas de José Manuel Antunes Ramos).

Valor histórico

O escritor Francisco Gomes, membro da Academia Amazonense de Letras (ALL), autor da cronografia de Itacoatiara (vol.1 e vol.2), entende que o Casarão dos Ramos está para Itacoatiara assim como está o Teatro Amazonas para Manaus em importância arquitetônica e histórica.

“Lembro que por volta de 1965 ainda se via o suntuoso Teatro Amazonas quando o motor de linha passava pela beira-rio do bairro de Educandos. Hoje não o avistamos mais, em razão dos prédios altos em seu entorno”, comenta Gomes.

Trecho da cronografia de Francisco Gomes

“O prédio onde funcionou a Casa Oscar Ramos, localizada rua Quintino Bocayuva, pertenceu Companhia Agropastoril, ramo da empresa alemã Kani Pollack. Os alemães compravam diamantes de Óscar, que era especialista em pedras preciosas.

Óscar trabalhou largo tempo com eles, comprando diamantes e revendendo para a tal firma, sediada em Manaus.

O prédio Oscar Ramos havia sido construído pela Agropastoril;

[…] com a falência desta, os alemães venderam-no a Óscar Ramos. [Antes disso, a firma de Óscar já importava] diretamente de Paris roupas femininas, calçados, perfumes, que vinham para Itacoatiara através dos navios da Booth Line e da Lamport Coot Line.

[…] Certa época, firma de Óscar Ramos foi o principal estabelecimento exportador de cacau do Amazonas. Já por volta de 1940, além de cacau e castanha, exportava também peles silvestres secas e sorva.

A firma teve razão social inicial de Oscar Ramos, depois passou a ser Oscar Ramos & Cia. (sócios: Ilídio e Oscar Filho – o pai já havia falecido).

Com o falecimento de Oscar Filho, passou a “Ilídio Ramos” e, finalmente Ilídio Ramos, Irmãos (sócios: Ilídio, Antônio e José Manuel Ramos).

Óscar Ramos não tinha preparo intelectual, porém adotara desde cedo o hábito pela leitura, daí a sua cultura relativa.

Seus clássicos portugueses foram guardados carinhosamente por Ilídio Ramos. Muito viajado, o velho português, além de visitar com assiduidade sua terra natal, viajou seguidas vezes à Inglaterra, à França e à Alemanha, especialmente à Inglaterra”.

Herdeira

O historiador Frank Chaves atesta que o cassarão pertence a herdeira Ricardina Rodrigues, viúva de Tadeu Ramos, neto de Oscar Ramos, falecido em 2022.

“Esse prédio é a nossa joia da arquitetura do período áureo da borracha, época em que o porto de Itacoatiara figurou na infraestrutura da exportação da borracha e demais produtos primários da região”, disse Frank.

O historiador explica que o casarão faz parte da paisagem histórica da área portuária da cidade e, por isso, merece atenção do poder público para que seja preservado para as futuras gerações.

“Sua arquitetura eclética traz traços de vários estilos, destacando-se o desenho da fachada no estilo enxaimel alemão, moldado em baixo relevo por entre os vários janelões e portas que circunda a elegante edificação”, comentou Frank.

Moradores

Quem mora no prédio é dona Adriane Rodrigues, a mãe dela, dona Ricardina, um irmão e um filha. Na parte da frente funciona um birô de artes gráficas e visuais, de Ramos Neto.

“Queremos alugar o casarão para o governo ou para prefeitura, porque ele é muito grande para a gente mantê-lo. Ainda está com a sua estrutura preservada, porém, necessitada de manutenção profissional, como na parte de cima”, disse Ricardina, por telefone.

Andriane garante a parte habitada é bem cuidada, mas a não habita só recebe varrição e pequenos consertos.

Até 2016, a família Ramos se reunia no casarão nas festas natalinas e o enfeitava com luzes e motivos da época. Por questão de segurança, festa deixou de ser realizada porque recebia muita gente.

Ela contou que o prédio é visitado por turistas e historiadores que ressaltam a sua importância para a história de Itacoatiara, do Amazonas e da Amazônia. Segundo Adriane, um dos visitantes lhe assegurou que todo o material utilizado na construção do casarão tem valor inestimado: da madeira aos pregos.

Livro paradidático

O casarão dos Ramos é destacado no livro Descobrindo o patrimônio cultural de Itacoatiara, do escritor e sociólogo Eder Gama.

Eder fez um roteiro afetivo das casario antigo e dos logradouros públicos que contam a história antiga da cidade de Itacoatiara, que conquistou esse status em 1874.

Ele menciona que antigo casarão já serviu de loja, hospedaria, armazém do entreposto de materiais, equipamentos e alimentos para a frustrada construção da ferrovia Madeira-Mamoré, entre os anos de 1871-1912.

O porto de Itacoatiara está a poucos quilômetros da boca do rio Madeira, que seria a extensão do modal ferroviário, por onde escoaria a borracha colhida nos seringais do Acre e Bolívia.

A história e bastidores do fracasso da construção da Madeira-Mamoré é tema do romance Mad Maria (Valer), de Márcio Souza, adaptado para minissérie, pela Globo, em 2005.

Escolas

O livro de Gama é destinado, principalmente, ao público infantojuvenil. É um guia do patrimônio cultural e imaterial de Itacoatiara, pronto para ser aplicado nas escolas.

Escrita fácil e cativante, Éder conduz seus leitores aos lugares históricos e imaginários da cidade, recheado com diálogos inquietantes entre alunos e o professor.

O escritor esclarece que o livro também cativa os adultos pelo tema, que é desprezado se comparado aos que aparecem na bibliografia disponível nas escolas.

Fotos: Wilson Nogueira/especial para o BNC Amazonas