Cientista faz alerta sobre necessidade de lockdown em Manaus
O cientista Jesem Orellana apresentou novo alerta sobre a covid-19 e defendeu um rigoroso lockdown de 14 dias em Manaus.

Iram Alfaia, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 02/10/2020 às 18:34 | Atualizado em: 02/10/2020 às 18:34
Com exclusividade ao BNC Amazonas, o epidemiologista da Fiocruz/Amazônia Jesem Orellana apresentou novo alerta sobre a covid-19 e defendeu um rigoroso lockdown de 14 dias para achatar a curva da segunda onda em Manaus.
Por não haver controle da epidemia, o cientista defendeu medidas mais rígidas que melhorem a vigilância epidemiológica/laboratorial e restrição da circulação de pessoas.
“Não é possível que, sete meses depois, esses problemas persistam. É urgente elevar o padrão de resposta a emergências sanitárias. Madri, na Espanha, já reconhece a chegada da segunda onda e endureceu suas medidas de distanciamento físico”, lembrou.
“O caldeirão da morte encheu e precisamos decidir se nossa vocação está mais para contar mortos ou para salvar vidas?”, protestou.
Segundo ele, entre 23 de agosto a 21 de setembro (quase 30 dias) ocorreram em torno de 120 mortes por covid-19 na capital, um número cinco vezes maior do que as vítimas de Nova Zelândia, país que tem o dobro da população da capital amazonense.
Com base nos dados do Infogripe, atualizados até a última segunda-feira, dia 28, o epidemiologista revelou que houve uma elevação da média móvel de novos casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda) por 100 mil habitantes.
No gráfico apresentado, consta que a ocorrência começou na semana entre 2 e 8 de agosto e atingiu em setembro nove casos novos para cada 100 mil habitantes. No pico da epidemia eram 40 casos para 100 mil.
“Incorporar esses valores como aceitáveis é criminoso, pois o mesmo gráfico mostra que os últimos valores são quatro a cinco vezes maiores do que os dados históricos das primeiras semanas de 2020”, disse o pesquisador.
Ocupação de UTI
Para justificar sua posição, o cientista apresentou também dados da FVS-AM (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas) sobre ocupação de leitos clínicos e de UTI em Manaus.
“Dados mais atuais mostram que o número médio diário de ocupações de leitos clínicos por covid-19, em agosto aumentou significativamente, passando de 163,3 para absurdos 216,3 em setembro”, diz.
E prosseguiu: “Ainda mais preocupante foi o ocorrido com o número médio diário de ocupações de leitos de UTI por covid-19, o qual passou de 93,4 em agosto para igualmente absurdos 114,1, em setembro”, lamentou.
Os números são preocupantes por causa do índice de mortalidade. Segundo a AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), a cada dez pessoas que necessitam de respirador em UTI, devido a complicações da covid-19, seis acabam morrendo.
“Ou seja, em Manaus, a cada dia que passa mais se naturaliza essa tragédia que custa não apenas impagáveis vidas, mas milhões aos cofres públicos, os quais poderiam estar sendo investidos em vigilância epidemiológica/laboratorial da epidemia e prevenção!”, desabafou.
Mortalidade
De acordo com o cientista, houve em Manaus um “anômalo excesso de mortes por motivos respiratórios” entre 12 de julho e 22 de agosto, segundo dados do registro civil.
“Também mostramos o aumento de mortes por covid-19 no mesmo período (aumento em torno de 10%), mas com dados do SIVEP-Gripe do Ministério da Saúde.
Baseado nos alertas prévios, Orellana afirmou que era só uma questão de tempo para a mortalidade por covid-19 aumentar em 30,3%, comparando os períodos entre 23 de agosto a 1º de setembro e entre 12 e 21 deste último mês.
“Isso porque, ela havia parado de cair, fez repiquetes e agora tende para o aumento ou ao menos para a estabilidade. Mas, em patamares inaceitáveis”, criticou.
Baixa testagem
Outro problema apresentado pelo epidemiologista é baixa realização de teste. Segundo a FVS-AM, o Amazonas tem capacidade de realizar 1.200 testes (RT-PCR) por dia, mas muito pouco é efetivado.
Em junho, por exemplo, foram aproximadamente 4.900 com taxa de positividade de 18,4%. Em setembro, quando poderiam ser feitos quase 36 mil exames, o número caiu para aproximadamente 4.500 exames, com positividade de 29,2%.
Ele citou o exemplo do Espírito Santo onde já foram testados 200 mil pacientes, um estado que tem o PIB semelhante ao Amazonas.
“Em outras palavras, os vexativos resultados de testagem por RT-PCR expõem de forma indiscutível o persistente erro do Amazonas, testando muito abaixo do esperado, sobretudo os comunicantes dos casos confirmados, que normalmente incluem vizinhos, familiares e colegas de trabalho/convivência, por exemplo”, reclamou.

O cientista Jesem Orellana
Foto: Fiocruz/Amazônia
Censura
Orellana havia recebido uma diretriz da comunicação da Fiocruz-RJ, instância ligada diretamente à Presidência da República, para não se identificar como sendo da instituição ao fazer seus alertas.
Diante do fato, resolveu parar de dar entrevista sobre o assunto, mas voltou atrás. Isso por causa do agravamento da situação sanitária e de pedidos de populares, pesquisadores e jornalistas.
“Somados ao clima ameno que alguns cinicamente têm tentado consolidar ao cenário em tela, com avaliações genéricas e que carecem de contundência, optei por abandonar o silêncio”, justificou.
Fotos: Divulgação/FVS-AM