A maior apreensão de madeira feita pela Polícia Federal (PF) nesta segunda-feira (21), enfim, atacou um crime há décadas praticada por madeireiros paraenses na divisa com o Amazonas.
A exploração ilegal há muito é denunciada por moradores de Parintins, principalmente comunitários do Mamuru, rio onde os agentes encontraram parte das 43.700 toras de madeira.
A apreensão foi noticiada pela Polícia Federal e ganhou relevância na mídia nacional.
O rio Mamuru pertencia ao município de Parintins, mas mudou na mais recente demarcação territorial feita pelo IBGE.
Quantidade pode ser maior
O cálculo da apreensão é preliminar e considerado conservador pela PF. Haverá uma perícia mais apurada nos próximos dias com o apoio do Exército, no marco da Operação Verde Brasil 2.
O Ministério Público Federal acompanha a operação por meio do procurador da República Leonardo Galiano, que visitará a região nesta semana.
“É uma área que estava sofrendo uma devastação irracional, que de forma alguma pode ser chamada de manejo florestal”, afirma o superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, comandante da operação.
“O comércio ilegal de madeira sofrerá um baque muito grande com esse trabalho.”
Tudo começou em Parintins
A operação foi batizada de Handroanthus GLO, que une o nome científico do ipê, a árvore mais cobiçada pelos madeireiros na Amazônia, à sigla da Garantia da Lei e da Ordem, o marco legal que autoriza o emprego das Forças Armadas no combate a crimes ambientais na Amazônia.
O recorde de apreensão havia ocorrido em 2010, quando foram apreendidos cerca de 65 mil metros cúbicos na Reserva Extrativista (Resex) Renascer, também no oeste do Pará. O volume é a metade do que foi retido na semana passada.
A operação começou após a apreensão de uma balsa com 3 mil metros cúbicos de madeira com documentação irregular no rio Mamuru, município de Parintins, em 16 de novembro.
As toras haviam sido extraídas no Pará, mas, para transportá-las, é preciso passar pelo estado vizinho.
A partir das informações obtidas sobre a origem das toras, a PF analisou imagens de satélite da região via sistema Planet, de alta precisão.
Em seguida, policiais fizeram um sobrevoo de helicóptero, que filtrou os pontos de interesse de 120 para 40 locais, com quantidades de madeira variando entre 10 mil metros cúbicos e 30 mil metros cúbicos.
“Tudo isso é resultado das novas tecnologias, uma inevitabilidade histórica. Não há mais como voltar ao tempo em que se podia saquear a Amazônia impunemente, contando com o tamanho da floresta”, diz Saraiva. “Sem o Planet, não teríamos esse alcance todo.”
Para o delegado, o Planet, uma empresa privada, tem uma função complementar ao monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do governo federal.
“No Inpe, o foco é a detecção, a estatística, estudo, políticas de governo, tem imagens antigas. Por outro lado, Planet nos dá agilidade, é voltado ao trabalho policial. É uma ferramenta de investigação não só para o meio ambiente e fornece uma resolução temporal de no máximo 24h de toda a Amazônia.”
Fraudes
Apesar de ser uma região com vários planos de manejo florestal, autorização concedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará, nenhum madeireiro procurou a PF até agora com documentação que comprove a origem legal. É indício sério de quem tem coisa muito errada”, diz o delegado.
O desafio agora será transportar todas as toras, uma logística de alta complexidade que deve levar semanas.
Saraiva defende que a madeira seja doada para fins públicos.
“O que não se admite é o leilão para essas madeiras. Isso seria muito ruim porque estaríamos legalizando o ilegal. Os próprios infratores, por meio de interpostos, poderiam adquirir essa madeira e ficariam com um documento de origem lícita que poderiam usar até com outras madeiras.”
Operação Arquimedes
Saraiva e o procurador Galiano trabalharam juntos também na Operação Arquimedes, que apreendeu 9 mil metros cúbicos de madeira serrada no porto de Manaus.
As investigações, iniciadas em 2017 e feitas em conjunto com o Ibama, revelaram o envolvimento de 63 empresas e de funcionários públicos para esquentar a extração ilegal de árvores em Rondônia, em Roraima e no Amazonas.
Nas duas investigações, as organizações criminosas de madeira aparecem se beneficiando de fraudes nos DOFs (Documentos de Origem Florestal) para esquentar madeira.
A guia é obrigatória para o transporte de madeira no país, sejam toras ou já beneficiadas.
O documento é emitido pelo Ibama e por dois estados que possuem sistemas próprios, Pará e Mato Grosso.
Na avaliação de ambos, o maior controle do setor madeireiro passa necessariamente pelo aprimoramento do sistema.
“O principal insumo para a tentativa de introdução de madeira ilegal é o DOF”, afirma Galiano.
Reunião em Manaus
O combate à madeira ilegal foi o tema principal de uma reunião do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com Galiano, Saraiva e representantes do governo estadual e empresários.
O encontro ocorreu em Manaus na quarta-feira (16).
Dois dias depois, o Ibama enviou ofícios aos governos do Mato Grosso e do Pará cobrando a integração dos sistemas estaduais de controle de origem de produtos florestais ao DOF em um prazo de 90 dias.
A medida está prevista no Código Florestal de 2012, mas até hoje não foi implementada.
Caso os dois estados não realizem a integração dentro do prazo, o Ibama informou que fará o bloqueio imediato de emissão de documentos em ambos estados.
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Foto: Polícia Federal/Divulgação