A editora Valer anunciou que publicará três obras da escritora e ensaísta Beth Azize, ainda neste mês. Todas são importantes e providenciais para a compreensão da Amazônia por meio da prosa.
“E Deus chorou sobre o rio” (quarta edição), “O silêncio dos sinos” e “Minha voz ativa política brasileira” (até então inéditos) chegarão ao público leitor até o final deste mês.
A autora, juíza aposentada e militante política entre as décadas de 70 e 90, sempre esteve na cena literária amazonense, principalmente, com suas crônicas e artigos no jornal manauara A Crítica.
‘E Deus chorou sobre o rio ‘
Em 1985, Elizabeth Azize estreou com o romance “E Deus chorou sobre o rio”, que veio a conquistar várias gerações de leitores, um feito nada comum no mundo dominado pelo marketing dos best-sellers.
Essa obra tece a saga dos imigrantes sírios-libaneses na Amazônia, a partir de pedaços do cotidiano em Manaus e Manacapuru, eivados das lembranças das tradições dos seus ancestrais.
O personagem central, Marmud, é dono de uma casa de secos e molhados, localizada na escadaria dos Remédios, em Manaus, e do barco Jatahy, com o qual regateia pelos beiradões amazônicos.
É nesse vaivém de Marmud, entre terras e águas, que aparece a Manaus acolhedora de outros povos, entre o fim do século 19 até a terceira década do século 20.
Caboclos, carregadores, teque-teques (camelôs), embarcadiços, juízes, amantes, boêmios, imigrantes etc. animam a polifonia de uma época que permanece viva na memória da autora. Suas ruas, residências e casas de comércio, praças e mercados estão esmiuçados na memória da escritora como achados históricos.
Beth Azize, como é mais chamada, destaca a convivência conflituosa com os costumes patriarcais árabes, porém, ressalta as peraltices e pequenas transgressões juvenis que demarcam a confluência entre culturas.
O recomeço (e não fim) desse livro é magistral e não tenha medo de se perder na imensidão do rioSolimões, lá pela cheia de 1947.
‘O silêncio dos sinos ‘
Essa obra reúne uma coletânea de crônicas que descobre o cotidiano de Manaus antes e pós-Zona Franca de Manaus (ZFM), com os seus lugares, costumes e paisagens em processo de mudanças.
Sua escrita imagética mostra ao leitor álbuns de fotografias que o levam a percursos e suas gentes que agora só ocorrem na memória, porém vivas e pujantes, e articulada com a Manaus atual.
É, por isso, um livro belo, instigante e envolvente, um companheiro de jornada pela infância, adolescência e vida adulta da autora que entrelaça vivências e experiências do lugar e do mundo.
“Beth Azize retorna à sua infância, vivida nas ruas que circundam a praça dos Remédios, viajando nas catraias, correndo com os seus amigos pelas ruas do antigo Centro da cidade […] As crônicas de Beth Azize depositam um sorriso nos nossos lábios e uma saudade no nosso coração”, resume a coordenadora editorial da Valer, filósofa Neiza Teixeira.
‘Minha voz ativa na política brasileira ‘
Beth Azize milita na política desde o final da década de 60, quando a liberdade de expressão esteve suprimida pela ditadura militar (1964-1985).
A trajetória de vida autora expressa a força de uma mulher para além do seu tempo.
Beth Azize foi vereadora de Manaus (1977-1978); primeira juíza de direito (1966-1970), primeira presidenta da Assembleia Legislativa (1983-1985), primeira governadora (interina) da história do Amazonas.
Foi uma das 26 mulheres que assinaram a Constituição de 1988, no universo de 558 congressistas.
“Minha voz ativa na política brasileira” traduz a importância de Beth Azize no cenário da política nacional, na condição de representante do Amazonas.
Na Constituinte, por exemplo, assumiu pautas que resultaram em conquistas de direitos, como a igualdade na sociedade conjugal.
Sempre esteve no radar da imprensa nacional e internacional por ser voz ativa, polêmica e inteligente a contribuir com as questões mais relevantes do país.
“Ela mostra o que foi, com ramificações para o presente, a política local e nacional nas décadas de 70 e 80. É um conjunto de crônicas e artigos que têm como conteúdo o dia a dia da cidade, da população pobre, da classe média, os malfeitos dos políticos, a corrupção. Elizabeth conduz-nos e nos faz pensar que, apesar de tudo, ainda tínhamos uma Manaus bela”, escreve Neiza Teixeira.
Discussões contemporâneas
O editor da Valer, jornalista Isaac Maciel, entende que o pensamento político e as criações literárias de Beth Azize enriquecem as discussões contemporâneas a respeito da complexidade sociocultural da Amazônia e seus relações com o Brasil e com o mundo.
“Não poderíamos prescindir dessas obras em nosso portfólio de temas amazônicos. Trata-se de abordagens profundas, porém, de fácil compreensão para o espectro de leitores”.
Foto: Wilson Nogueira/especial para o BNC Amazonas