A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), apoiadas por suas entidades regionais, realizaram nesta sexta-feira (15) o “Dia Nacional de Luta pela Ciência.
De acordo com a ANPG, nesse dia do professor, o ato serviu com uma trincheira de mobilizações nas universidades para denunciar o desmonte do parque tecnológico .
Dessa forma, a mobilização de hoje foi uma prévia do movimento de paralisação nacional que está sendo convocado para o próximo dia 26 de outubro contra o corte de 92% dos recursos destinados a bolsas e apoio à pesquisa.
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Isso representa R$ 634,8 milhões a menos no orçamento da ciência brasileira em 2022.
O corte orçamentário foi feito pelo Congresso Nacional a pedido do ministro da Economia, Paulo Guedes. Do montante previsto de R$ 690 milhões, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) vai receber apenas a fatia de R$ 55,2 milhões (8%) – o principal do bolo será destinado a seis diferentes ministérios, entre eles o do Desenvolvimento Regional, da Saúde e da Educação.
O próprio ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, classificou como “falta de consideração” os cortes no orçamento da pasta. Chegou a pedir ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a recomposição da verba.
“Essa manobra vai contra ao que foi aprovado no Congresso Nacional, pela Lei Complementar 177/2021, o qual prevê que os recursos do FNDCT sejam destinados, para sua devida finalidade, para financiar o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), que já está respirando por aparelhos devido às asfixias orçamentárias dos últimos anos”, diz a presidente da ANPG, Flávia Calé.
Nesse cenário, segundo a entidade dos pós-graduando, estão sob ameaças além de bolsas, a execução de projetos científicos importantes para o desenvolvimento nacional, como o pagamento de projetos da Chamada Universal, recomposição dos Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, Pós-Doutorado Júnior, Ciência na Escola e Reator Multipropósito brasileiro e a Rede Vírus (uma iniciativa com projetos que combatem viroses emergentes, como a covid-19).
Desmonte das instituições
O secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Amazonas (Sindsep-AM), Walter Matos, classificou o corte de mais de R$ 600 milhões no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia para o ano de 2022 como “uma verdadeira violência”.
Para a diretoria do Sindsep-AM, trata-se do desmonte de todas as instituições que cuidam da ciência brasileira, majoritariamente financiada pelo setor público. “Hoje, o Brasil é o país que menos investe em ciência. Apenas 1,3% do PIB, enquanto a Coreia chega a 4,5% e Japão a 3,5%. Então, esse corte é sem dúvida uma grande violência e trará um prejuízo enorme à nação”, enfatiza Walter Matos.
O secretário-geral do Sindsep-AM lembra ainda que essa ação do governo provoca uma grande fuga de cérebros do país, uma vez que seus melhores cientistas irão procurar outros países para trabalhar, dada a desvalorização da atividade em solo brasileiro.
Problema se agrava desde 2016
O professor Marcelo Seráfico, do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), destaca as mobilizações dos cientistas brasileiros e suas entidades representativas são para marcar posição contra o corte de mais de 90% do orçamento da ciência brasileira que vai inviabilizar o funcionamento do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia), Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do Museu Emílio Goeldi/PA, assim como as atividades dos professores das universidades que desenvolvem projetos financiados pelo governo federal.
“Por outro lado, esse movimento em defesa da ciência brasileira é para mostrar que o problema não é de hoje, mas vem se agravando desde 2016, no governo Temer, com a aprovação do teto de gastos (EC 95). E com a posse do governo Bolsonaro, culminou com uma política racional de liquidação da ciência, da educação e da saúde. Portanto, essa luta não é somente dos cientistas, mas interessa a toda a sociedade brasileira, pois, essa política de esgotamento dos recursos a essas áreas afeta enormemente a melhoria de vida de cada brasileiro”, analisa Marcelo Seráfico
Inpa sem verba para pesquisa de campo
A pesquisadora Sônia Alfaia, afirma que no Inpa a situação não é diferente do restante dos órgãos de ciência no país. Após mais de uma década de investimentos crescentes em C&T (ciência e tecnologia), nos últimos seis anos, os recursos destinados ao Instituto têm diminuído acentuadamente, chegando a uma situação bastante crítica em 2021, pois, não há recursos para se fazer uma simples excursão de campo.
“Os laboratórios estão deteriorados, os equipamentos sucateados e não se tem recursos para comprar insumos. A ciência, a tecnologia e a inovação são objetivos nacionais prioritários, e são especialmente importantes na Amazônia, onde se busca um caminho de desenvolvimento com o máximo da floresta em pé”, afirma.
Negacionismo científico
A pesquisadora segue informando que, além da falta de recursos para trabalhar, os pesquisadores do Inpa ainda têm que lidar com o negacionismo científico, com as ameaça constantes contra o meio ambiente e contra as populações indígenas com as quais trabalham.
“Atualmente, 40% dos 540 servidores do Instituto de Pesquisa da Amazônia já cumprem abono-permanência, sendo que não há sinais de recomposição desse quadro efetivo (que já chegou a 1.200 em momentos anteriores). Para suprir essa deficiência de servidores, o Inpa contava com uma cota de bolsas para apoio às pesquisas, o que também diminuiu acentuadamente nos últimos anos”, revela a pesquisadora.
Aliado a tudo isso, está a falta de uma gestão eficiente, de diálogo e de transparência das duas últimas diretorias do Instituto. “Se essa atual situação não mudar, estão em risco décadas de avanço na formação de recursos humanos e na infraestrutura de pesquisa e inovação, ameaçando a sobrevivência do próprio Inpa”, afirma Sônia Alfaia.
Foto: Divulgação/Sindsep-AM