Ensinamentos dos Baniwas no Amazonas sobre tempo e trabalho

O povo indĂ­gena tem autonomia sobre seu tempo e compartilha o que Ă© produzido com atividades de subsistĂªncia e a organizaĂ§Ă£o do trabalho

Publicado em: 11/08/2021 Ă s 15:34 | Atualizado em: 11/08/2021 Ă s 15:34

Com uma populaĂ§Ă£o de cerca de sete mil pessoas em territĂ³rio nacional, os baniwas vivem na fronteira do Brasil com a ColĂ´mbia e a Venezuela. As aldeias estĂ£o localizadas Ă s margens do Rio Içana e seus afluentes, em comunidades no Alto Rio Negro e nas cidades de SĂ£o Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos (AM).

Francineia Bitencourt Fontes, conhecida como Fran Baniwa, primeira mulher do povo a ter um mestrado, compartilha da bagagem que carrega, que une o conhecimento de dois mundos, o indĂ­gena e o nĂ£o indĂ­gena.

A antropĂ³loga baniwa vĂª um contraste entre o status do trabalho e a organizaĂ§Ă£o do tempo em cada um.

“No capitalismo, a gente sĂ³ pensa no trabalho, trabalho, trabalho e esquece que hĂ¡ um espaço para aproveitar, respirar ar puro, ter uma vida diferente. Ă€s vezes, a gente acaba esquecendo de viver por causa do trabalho, ele nos escraviza”, diz. “Mas tambĂ©m porque, no mundo nĂ£o indĂ­gena, sem trabalhar vocĂª nĂ£o sobrevive. Aqui nĂ£o, a gente tem a floresta, da qual a gente tira o nosso sustento.”

Sobre o trabalho

Quase todos os dias, os baniwas acordam, comem seu mingau e sua quinhapira — prato com tucupi, pimentas e peixe — e vĂ£o trabalhar. Tomada coletivamente, essa primeira refeiĂ§Ă£o do dia os abastece para o trabalho que virĂ¡ a seguir, explica o lĂ­der e curador de Ecoa do UOL AndrĂ© Baniwa.

“A lĂ­ngua baniwa tambĂ©m tem a palavra trabalho. É ideenhikhetti. É uma coisa fundamental na nossa cultura. Nossos pais — nossos ancestrais tambĂ©m, miticamente — recomendam que o homem e a mulher baniwa tĂªm que trabalhar, tĂªm que se esforçar, porque senĂ£o nĂ£o vĂ£o se dar bem”, diz ele.

Cada tipo de trabalho exige preparaĂ§Ă£o, planejamento e leva tempo. Para caçar, por exemplo, Ă© preciso determinar onde se darĂ¡ a caçada e preparar as ferramentas — a zarabatana e o veneno colocado nas pontas das flechas.

Mas, diferentemente do trabalho da cidade, a jornada nĂ£o dura o dia todo nem Ă© determinada por um patrĂ£o. Os dias precisam ter lugar para o lazer, “itopitakhetti”, que quer dizer brincar na lĂ­ngua baniwa.

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AlĂ©m das atividades de subsistĂªncia, os baniwas tambĂ©m produzem e comercializam alguns itens para fora da comunidade. SĂ£o conhecidos pela confecĂ§Ă£o de cestaria, traçada com uma planta chamada arumĂ£, e pela produĂ§Ă£o de pimenta em pĂ³.

Em suma, o artesanato Ă© uma fonte importante de geraĂ§Ă£o de renda para a comunidade, permitindo a compra de itens que nĂ£o conseguem produzir.

Nem todos estĂ£o envolvidos nessa produĂ§Ă£o artesanal. Quando feita apenas para consumo interno, a cestaria geralmente vai sendo confeccionada aos poucos, em momentos diferentes do dia em meio a outras tarefas. 

TradiĂ§Ă£o do trabalho

Na tradiĂ§Ă£o baniwa, jĂ¡ houve uma rĂ­gida divisĂ£o de trabalho entre homens e mulheres.

Normalmente, os pais transmitem aos filhos homens as tarefas que tradicionalmente competem a eles, como caçar e pescar, enquanto as mĂ£es transmitem Ă s meninas os ensinamentos sobre trabalhos como a colheita da mandioca, o preparo da farinha e a limpeza das caças e dos pescados. Entre os baniwas, a produĂ§Ă£o artesanal de cestaria tambĂ©m Ă© trabalho de homens.

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Foto: Vitor Vilela/UOL