Como exploradores de piaçaba escravizam ianomâmis no Amazonas

O modo de exploração da mão de obra indígena é o mesmo da era dos seringais na Amazônia

Publicado em: 15/05/2023 às 17:21 | Atualizado em: 15/05/2023 às 17:23

A extração da piaçaba na região do médio rio Negro tem feito indígenas ianomâmis de escravos. Eles vivem em aldeias situadas no lado do Amazonas.

De acordo com a reportagem da Folha de S. Paulo, a exploração ocorre por meio de um modelo rudimentar de endividamento dos trabalhadores, método semelhante ao período do ciclo da borracha, nos seringais.

Maior terra indígena do Brasil, o território Ianomâmi se estende no Amazonas, em Roraima, onde 17 mil indígenas da etnia enfrentam uma crise humanitária.

O avanço do garimpo ilegal e de 20 mil invasores, estimulados pelo governo Jair Bolsonaro (2018-2022), provocou uma explosão de casos de malária e de doenças associadas à fome, como desnutrição grave, diarreia aguda e pneumonia. Em 20 de janeiro, o governo Lula (PT) declarou estado de emergência em saúde no território.

O outro lado da terra indígena, no Amazonas, é menos populoso: são 10,3 mil yanomamis. Parte deles vem passando por um processo oculto de exploração, sem sinal de reação por parte do governo federal.

O apagão da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) na região –iniciado em 2018 no governo Michel Temer (MDB), agravado nos anos de Bolsonaro e mantido nos primeiros meses da gestão de Lula– resultou em um avanço da presença de indígenas na extração da piaçaba, a fibra de uma palmeira ainda usada largamente na fabricação de vassouras.

Conforme a reportagem da Folha de S. Paulo, os ianomâmis explorados percorrem longas jornadas até comunidades ao longo do rio Padauiri, fora da área demarcada, em viagens que duram três dias em embarcações com motores de baixa potência –as “rabetinhas”.

O destino mais frequente é a comunidade Nova Jerusalém, que surgiu há 25 anos, em torno de um entreposto da piaçaba. Vivem hoje em Nova Jerusalém 20 famílias, entre indígenas barés e descendentes de soldados da borracha –os nordestinos levados à Amazônia profunda para trabalharem em seringais.

A escola da comunidade, em estrutura de madeira, está caindo aos pedaços. Só existe ensino até o quarto ano da etapa fundamental. Não há posto de saúde. Não há soro antiofídico, nem cloroquina para malária. A energia vem de um gerador a diesel, com hora marcada para a geração.

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Endividados

Os ianomâmis viajam atrás de mantimentos básicos –como farinha e biscoito– e combustível, necessários para o trabalho na extração de piaçaba ao longo de semanas.

Esses mantimentos são comercializados pelos chamados patrões, pessoas consolidados há décadas nesse negócio, que lucram com o aviamento e com a venda da piaçaba— e patrõezinhos —moradores pobres das comunidades—, instalados ao longo dos afluentes do rio Negro.

O pagamento pelos produtos é feito em rolos de piaçaba, e dívidas são geradas com os patrões. É um modelo fixo, aplicado a qualquer um que vive de extrair a fibra amazônica. Teve poucas variações ao longo do tempo, e foi herdado da exploração da borracha nos séculos 19 e 20.

Além das longas jornadas, do aviamento (o nome dado a esse modelo de exploração econômica) e do endividamento, os yanomamis criam uma relação de dependência com as comunidades, inclusive com atuação conjunta com indígenas de outras etnias –especialmente os barés– e com não indígenas em piaçabais.

Leia mais na matéria de Vinicius Sassine e Lalo de Almeida na Folha de S. Paulo

Foto: Reprodução/ Repórter Brasil