Indígenas mura e baré se graduam em letras e língua pela UEA Autazes

Indígenas UEA Autazes

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 10/11/2019 às 10:31 | Atualizado em: 10/11/2019 às 10:31

Wilson Nogueira, especial para BNC Amazonas

 

Os indígenas Darlison de Souza Costa, de 30 anos, e Elison da Silva Rodrigues, de 34, tornaram-se professores em letras e língua portuguesa por curso da Universidade do Amazonas (UEA) no município de Autazes, a 113 quilômetros de Manaus.

O mesmo curso, que é mediado por tecnologia, formou mais de 900 alunos e alunas em 30 municípios amazonenses, muito dos quais indígenas, negros e quilombolas.

Em Autazes, a entrega dos diplomas ocorreu na igreja matriz de São Joaquim e Santa Ana, avós de Jesus Cristo.

Darlison é da etnia mura, da comunidade Josefa, na zona rural de Autazes; e Elison é da etnia baré, nascido na cidade de Barcelos, no alto rio Negro, a 399 quilômetros da capital.

Os dois nasceram em famílias católicas, mas agora são cristãos protestantes.

“Não tive a oportunidade conhecer a religião da minha etnia, mas não tenho problema nenhum com as religiões indígenas”, disse Elison.

 

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Trajetória pelos rios

Ele disse que migrou para a região do médio rio Amazonas ainda criança, retornou para o alto rio Negro na adolescência e, quando adulto, passou a morar em Autazes.

A mãe dele, Maria Auxiliadora da Silva, se reconhece indígena, mas o pai, José Arlindo Rodrigues, não.

“Mas, o certo é que somos do povo baré. O problema é que fomos colonizados dessa forma: para nos desorganizar material e espiritualmente”.

Mesmo professando a fé da denominação Testemunhas de Jeová, Elison disse que respeita e até incentiva as religiões praticadas pelos indígenas, as quais ele denomina de “certos ocultismos”.

Elison disse que aprendeu muito com o curso. “Por mais que eu possua um curso superior, aprendi que não sou nem menos que as outras pessoas que não têm a mesma graduação”.

Antes de realizar o curso, ele percebia que pessoas de nível superior com as quais lidava se apresentavam como superiores, e até o tratavam com inferioridade.

“Aprendi que ninguém tem mais ou menos conhecimento, o que há, na realidade, são conhecimentos diferenciados”, afirmou.

No seu trabalho de conclusão de curso (TCC), Elison pesquisou sobre preconceito linguístico.

 

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Identidade fortalecida

Darlison revela que o curso lhe fez, por meio do TCC, fazer uma viagem sobre a história do seu povo, considerado por ele como uma “etnia guerreira e valente”.

“Hoje estou muito feliz, Já chorei de alegria. Saí do curso mais fortalecido da minha identidade indígena”, anunciou.

Por isso, para ele, “fazer parte dessa etnia hoje é uma honra. Sou uma pessoa que busca a cada dia conhecer a cultura e os valores dos mura”.

Segundo o novo graduado, disse ainda ter certeza de que “voltar ao que era antes, quando ninguém tinha respeito pelos índios, não vai acontecer. O mais importante agora é continuar lutando”.

 

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Sonhos e planos

Um dos propósitos de Darlison como professor é o de revitalizar e fortalecer nheengatu (língua interétnica originária do tupi que significa “fala bonita”) na comunidade da Josefa, onde moram ao menos 200 famílias. A maioria se reconhece pertencente à etnia mura.

“O nheengatu é uma semente para revitalizar a etnia mura”, disse.

Quanto ao preconceito, Darlison espera que ele venha a terminar algum dia por força das conquistas políticas e sociais dos povos indígenas. Mas, também entende que as relações entre índios e sociedades brancas foram e serão conflituosas, porque são pessoas que têm visões de mudo muito diferenciadas.

“O que devemos fazer é combater o preconceito de cabeça erguida. Não se abater com o que outros pensam de nós, mas combatê-los com altivez, mostrando que somos todos iguais e capazes de construir um mundo melhor e igualitário”, afirmou.

 

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Sinais da colonização

Em comum, os dois têm as ancestralidades destroçadas pela colonização a ferro e fogo.

Hoje, essas e outras etnias da Amazônia lutam pelo ressurgimento das suas línguas, culturas e identidades.

O lugar onde eles foram diplomados é permeado de simbolismos da história que prevalece sobre os primeiros povos da Amazônia.

Sobre a cabeça dos formandos há um afresco inspirado nas iconografias católicas, que mostra a família de Maria, com Santa Ana e São Joaquim, e a Santíssima Trindade.

 

Fotos: Wilson Nogueira/cedidas por cortesia ao BNC Amazonas