Uma perspectiva única sobre o sínodo amazônico. É a da diocese, talvez, a “mais indígena” do mundo. Olhando de São Gabriel da Cachoeira, o evento eclesial que começou domingo, no Vaticano, assume uma profundidade e uma concretude singular.
São 290 mil quilômetros quadrados, uma área quase tão grande quanto a Itália, no estado brasileiro do Amazonas.
Cem mil habitantes espalhados na floresta. Praticamente todos indígenas, pertencentes a 23 etnias e que falam 18 línguas.
Esse é o retrato da diocese de São Gabriel da Cachoeira, que possui dois primados únicos: a diocese “mais indígena” do Brasil também é a mais “católica”, 98% da população recebeu batismo, testemunhando um ação missionária incansável.
Um rosto amazônico e indígena. É um canto muito vasto e ao mesmo tempo remoto da Amazônia brasileira, quase na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, na bacia do rio Negro, o grande rio que em Manaus, depois de 2.000 quilômetros, deságua no rio Amazonas enorme quantidade de água.
Não são muitos os gigantes multinacionais e mineradores ilegais que chegaram até aqui. E nem mesmo os evangélicos chegaram.
Mas os salesianos chegaram mais de cem anos atrás, começando a escrever uma longa página de evangelização e missão.
Leia mais
Clero indígena
Agora, porém, está se abrindo uma nova fase, a da valorização do clero indígena, como explica o bispo de São Gabriel da Cachoeira, dom Edson Taschetto Darmian.
“Aqui a igreja está presente desde 1905, com a chegada dos salesianos. Também vieram os capuchinhos, os carmelitas e outras congregações. Porém nunca faltaram dificuldades. A partir da língua, da integração, do reconhecimento das diferentes culturas. Mas, aqui também houve uma longa tradição de protagonismo dos povos indígenas, que desde os anos 1970 se organizaram, inclusive com o apoio da igreja, impedindo que o território amazônico fosse explorado e depredado. Desde 1992, 90% do nosso território está protegido”.
Após a longa fase da missão dos “brancos”, está sendo escrita uma nova página, aquela, explica o bispo, “de uma igreja que realmente tenha um rosto amazônico e indígena”.
“Já ordenamos cinco sacerdotes diocesanos indígenas, além de um padre franciscano”, disse Darmian.
“No ano passado foi ordenado o primeiro sacerdote da etnia baniwa. Em dezembro, será ordenado outro, de etnia tukano. Celebramos a primeira missa na língua tukano, estamos traduzindo o missal também para outras línguas”.
Leia mais
Padre baniwa
A oportunidade de um clero indígena. O primeiro sacerdote de etnia baniwa chama-se padre Geraldo Trindade Montenegro, mas todos o conhecem como padre Geraldo Baniwa.
Como os outros sacerdotes indígenas, ele estudou no Seminário da Amazônia em Manaus, e disse o que significa para ele e para as comunidades ser um padre indígena.
“No meu primeiro ano de ministério, posso afirmar estar bem inserido na cultura indígena, pois faço parte do povo baniwa. Eu acredito que essa proximidade e familiaridade com as pessoas, com a cultura local e as comunidades facilitou uma presença efetiva na atividade missionária”.
O sacerdote continua: “No sangue temos as histórias ancestrais, a fé dos antepassados, o respeito pelos lugares sagrados, o significado das festas, as palavras das bênçãos, as palavras da bênção, as regras da convivência, os projetos da vida. A religião cristã integra e enriquece os valores aprendidos dentro da família. A formação teológica ajuda a iluminar essas realidades”.
Quais são, então, segundo o padre Geraldo, as características de uma “igreja de rosto amazônico”?
“Eu posso falar da paróquia da Assunção de Maria, onde trabalho. A igreja, através dos sacerdotes locais, é capaz de operar integrando o modo de vida, a organização das pessoas e a participação de todos nas ações eclesiais. A igreja de rosto amazônico mostra nas ações litúrgicas uma organização talvez menos rígida, mais simples e dialógica. Mas, isso não significa que não operemos de acordo com as indicações da igreja”.
Leia mais no portal da Unisinos .
Foto: arquivo pessoal/padre Justino Sarmento