Jair Mendes, o ‘Pai das Alegorias’ do festival de Caprichoso e Garantido

O corpo do amazonense Jair Belém Mendes será sepultado no cemitério de Parintins neste dia 16 de março de 2025.

Alegorias'Parintins: Jair Mendes é internado em UTI com pneumonia

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 16/03/2025 às 09:39 | Atualizado em: 16/03/2025 às 09:39

O corpo do amazonense Jair Belém Mendes será sepultado no cemitério de Parintins neste dia 16 de março de 2025, um domingo, ao pôr do sol. Ele é o artista plástico e escultor que deixa incomparável legado para a cultura popular da Amazônia, especialmente para o festival folclórico dos bois-bumbás Caprichoso e Garantido, onde é considerado o “Pai das Alegorias”.

Ele faleceu aos 82 anos neste dia 15, às 12h, no hospital Delfina Aziz, em Manaus. Jair Mendes sofria de broncopneumonia crônica. Seu corpo foi velado na capital e na manhã deste domingo foi trasladado para sua cidade natal.

Mendes era viúvo da senhora Ana Maria da Silva (1950-2019). O casal teve a filha Nira Mendes, cantora, e os filhos Jairzinho e Teco Mendes, atuantes nos bois-bumbás parintinenses e nas escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo.

Antes de ser internado, por volta de novembro de 2024, o artista chamou seus filhos para comunicar que via a hora da morte chegar.

Em vida, o artista recebeu homenagens e comendas por ter conquistado o título popular de “Pai das Alegorias do Festival de Parintins”.

Durante nove anos, Jair Mendes também trabalhou no boi-bumbá Caprichoso, entre 2007 e 2016, do qual teve apreço e reconhecimento por sua arte.

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Pioneiro nos anos 70

Jair Mendes foi o artista introdutor das alegorias nos bois-bumbás de Parintins, mais precisamente no Garantido, no meado da década de 1970.

Tratava-se de uma placa furta-cor, empinada por uma lança, com a frase “Garantido, o boi do povão”, um bordão do legendário apresentador Paulinho Farias (1961-2022)

Também foi ele quem, pela primeira vez, coloriu as indumentárias dos cordões de tontos, capacetes (cocares) e tangas feitos de penas retiradas de vários pássaros e embricadas aleatoriamente.

Tontos se referem ao personagem (fictício) indígena popularizado desde 1933 pelo rádio, cinema e quadrinhos norte-americanos.

O Garantido já estava na então avenida Vicente Reis (hoje Lindolfo Monteverde), a caminho da quadra da Juventude Alegre Católica (JAC), na avenida Amazonas, quando Jair mandou parar o cortejo e coloriu as indumentárias dos brincantes com cores vibrantes de spray.

Nos anos que se seguiram, as inovações do artista tornaram-se a expectativa do festival, ao mesmo tempo que aguçava o potencial criativo do bumbá contrário.

Cobra grande

Causou euforia, por exemplo, o “boi-biônico”, o Garantido que mexia o pescoço, orelhas, olhos e rabo, e a cobra grande, que se arrastava, engolia pessoas e levava a galera vermelha e branco ao delírio; e contrário ao desespero.

Antes de ingressar na confecção alegóricas, exercia o ofício de serigrafista, profissional da impressão em silkscreen.

Com ateliê na avenida Coronel José Augusto, em frente ao Cine Oriental, ele e sua equipe dominavam o mercado do setor da sua época.

Ali, também formou uma geração de artistas plásticos e escultores, entre eles, Wandir Santos, e seus filhos Jairzinho e Teco Mendes.

Na cidade, ele compartilhava o ofício com outro mestre, irmão Miguel Pascale (falecido), missionário católico italiano, que criou uma escola de escultures sacras nas dependências do Seminário João XXIII.

Assim, a maioria dos escultores e alegoristas dos bois-bumbás parintinenses ou passaram pelo ateliê Jair Mendes ou pela escola do irmão Miguel Pascale.

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Amigo da Família Lindolfo

Jair Mendes, por meio da sua arte e gentileza, tornou-se amigo do fundador do Garantido, Lindolfo Monteverde (1902-1979), e familiares. Tão amigo que foi autorizado a pintar de vermelho o coração na testa do boi, antes preto, e a fazê-lo mexer o corpo, a imitar um boi verdadeiro.

Ainda na década de 70, Lindolfo Monteverde, com a saúde frágil, passou a direção do bumbá aos seus filhos João Batista Monteverde (amo) e Antônio Monteverde (1936-2008). construtor do boi, os quais contaram com o apoio de Jair Mendes e Paulinho Faria, para manter o Garantido como inovador na arte de brincar de boi.

“Sempre gostei de ver o futuro”

A trajetória de Jair Mendes como artista de boi-bumbá inicia-se após uma temporada no Rio de Janeiro, no período de 1970 a 1972, onde trabalhou em escolas de samba.

Essa passagem da sua experiência profissional está registrada em entrevista concedida por ele à pesquisadora de festa popular Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcante, que a eternizou no livro “Festival na Floresta: o boi-bumbá de Parintins” (Funarte, RJ, 2000):

“Eu gostei muito (refere-se ao carnaval carioca) porque eu sempre gostei de ver o futuro e tal… e eu vinha para a minha terra, Parintins, e eu queria fazer aqui o que eu aprendi lá […] Mas minha Parintins não tinha carnaval de jeito nenhum, como Manaus também não tinha. Mas eu sabia que o boi tinha. Aí, o que eu fiz? Comecei a introduzir algumas coisas do carnaval [no Garantido). Alegorias em torno de lendas regionais, como as da Iara, cobra grande e boto. Antes não tinha nada, era como é em toda cidade como é até hoje, que é certo: batucada, boi amo, vaqueirada, aquele negócio”.

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Trocas culturais

Hoje, a arte que trouxe do Rio de Janeiro continuará em processo de lapidação por seus seguidores e à disposição de outros eventos culturais.

Então, se o mestre bebeu na fonte artística das escolas de samba do Rio de Janeiro, agora são elas, seguidas por agremiações de São Paulo e outros estados, que recorrem a artistas parintineses para dar movimento às suas alegorias.

Há mais de 50 anos após introduzir novos ares na apresentação dos bois-bumbás parintinenses, Jair Mendes morre em tempo de testemunhar a conquista dos seu próprio sonho.

Na última noite do festival folclórico de 2024, no dia 30 de junho, o “Pai das Alegorias” entrou no bumbódromo para ser homenageado pelo boi-bumbá Garantido.

E se despediu, solenemente, abraçado e aplaudido pelas duas galeras às quais levou tantas alegrias em vida.

Foto: reprodução/Facebook