O que diz Milton Hatoum da perda do conterrâneo Márcio Souza

O escritor Márcio Souza, falecido aos 78 anos, é lembrado por Milton Hatoum como um expoente da cultura amazonense, cujas obras refletem a história e os desafios da região.

O que diz Milton Hatoum da perda do conterrâneo Márcio Souza

Diamantino Junior

Publicado em: 13/08/2024 às 18:55 | Atualizado em: 14/08/2024 às 00:00

O falecimento de Márcio Souza, ocorrido nesta segunda-feira (12/8) aos 78 anos, marca a perda de um dos maiores nomes da literatura e do teatro amazonense. Milton Hatoum, escritor e conterrâneo, autor de obras como “Cinzas do Norte” e “Relato de um Certo Oriente”, lamentou a morte de Souza em um depoimento à Folha, destacando o impacto profundo que sua ausência terá na cultura da região.

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“Lamento muito a morte de Márcio Souza, meu amigo desde a década de 1970.

A obra do Márcio, além de diversificada, é de grande importância para a cultura da Amazônia. A formação de sociólogo na USP estimulou Márcio a escrever livros e ensaios historiográficos sobre a região Norte e uma obra pioneira sobre a literatura e teatro do Amazonas.

Essa obra se intitula ‘A Expressão Amazonense – Do Colonialismo ao Neocolonialismo’. Em 1979, eu publiquei uma resenha desse livro na revista IstoÉ.

O Márcio foi também autor de vários romances. Ele estreou com ‘Galvez, Imperador do Acre’ em 1976, era um folhetim cômico satírico sobre a Revolução Acreana. Esse romance foi um best-seller no Brasil e fez sucesso nos Estados Unidos.

Outro romance que eu admiro é ‘Mad Maria’, de 1980, que tematiza uma das passagens mais escabrosas da história do Amazonas, a construção da Madeira-Mamoré, a Ferrovia do Diabo.

O Márcio adorava os romances do escritor americano Kurt Vonnegut. Ele até me deu uma edição em inglês de ‘Matadouro-Cinco’ e eu acho que essa violência narrada pelo Vonnegut aparece bastante nesse romance.

Quer dizer, a Madeira-Mamoré, que seria uma obra do progresso e da modernidade na floresta, tornou-se um trem fantasma e vitimou milhares de pessoas pobres, trabalhadoras e trabalhadoras do Brasil, indígenas e também estrangeiros.

O Márcio narra essa realidade alucinada, grotesca e terrivelmente cruel e faz de um indígena mutilado um dos protagonistas desse empreendimento maluco na periferia do capitalismo bárbaro.

A industrialização de Manaus também foi satirizada por Márcio na peça ‘Zona Franca, Meu Amor’. Importante dizer que ele dirigiu por muito tempo o Teatro do Sesc, lá de Manaus, e escreveu outras peças em que ele abordou questões indígenas, mas sem qualquer traço de exotismo.

A morte do Márcio ocorre num dos piores momentos da política do Amazonas, cujo governo foi o mais mal avaliado do Brasil, segundo a recente pesquisa Atlas. Eu torço para que os livros do Márcio sejam lidos e suas peças de teatro ganhem novas adaptações.”

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Foto: reprodução redes sociais