Massacre do Compaj: juiz conta história dos mortos em livro

A rebelião do Compaj, marcada pelo confronto entre facções criminosas, ganhou repercussão mundial pelo alto número de mortes e pela violência das mutilações

juiz Luís Carlos Valois

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 23/08/2025 às 15:25 | Atualizado em: 23/08/2025 às 15:25

A história de vida das 55 pessoas mortas na rebelião do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em 1º de janeiro de 2017, é tema do livro “Apocalipse penitenciário” (D`Plácido), de autoria do juiz de direito Luís Carlos Valois.

A rebelião do Compaj, atribuída a um conflito entre presos das facções criminosas Família do Norte (FDN) e Primeiro Comando da Capital (PCC), chocou o mundo pelo número de vítimas e pela brutalidade das mutilações que seus corpos sofreram.

Valois foi um dos negociadores do gabinete de crise instalado pelo Governo do Amazonas para pôr fim à rebelião. Ele foi chamado, a pedido dos presos, por ser um dos juízes da vara de execuções penais, embora estivesse de folga nesse dia.

“No dia seguinte à rebelião, o pensamento mais forte era o de que as pessoas que fizeram aquilo eram da minha mesma espécie e da sua, leitor”.

E segue: “[…] passadas algumas semanas, o descaso, a indiferença e até o deboche com as mortes, me trouxeram a ideia de escrever algo sobre as pessoas mortas, a respeito das quais nem o juiz responsável pela penitenciária sabia muito”, destaca na apresentação da obra.

“É uma questão de luto meu…”
A proposta do autor, como anuncia o subtítulo da obra, é apresentar a “história de vidas e mortes” das vítimas pela perspectiva dos seus familiares, amigos e pessoas com as quais conviveram.

“É uma questão de luto meu, uma parcela da minha humanidade”, disse Valois, no lançamento do livro, no auditório do Casarão das Ideias, no centro de Manaus.

Com essa frase, Valois expõe a sua humanade de juiz e narrador de uma tragédia praticada, igualmente, por humanos.

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Narrativa livre

Valois adverte que a obra não esmiúça os meandros da rebelião, com os seus fatos trágicos e sanguinários, como pode ser esperado, talvez, pela maioria dos leitores.

O que espera pelos leitores, segundo ele, é o resultado de um “esforço para registrar quem foram os presos mortos na rebelião de 2017 em Manaus”, por meio de uma narrativa livre que perpassa pela biografia, crônica, poesia e escrita científica.

Valois não segue, necessariamente, uma metodologia da criminologia, da sociologia, da psicologia ou da psiquiatria, estudos das ciências sociais e humanas, como recurso para buscar os possíveis motivos dos crimes.

“Nosso estudo não tem esse fim primordial […] sem, contudo, afastar a possibilidade de que ele possa ser usado, posteriormente, em outros trabalhos, para esse fim”, afirmou na apresentação da obra.

Assim, o juiz continua explicando que o objetivo do estudo não é o de comprovar nenhuma teoria, “a não ser a teoria de que os presos são pessoas, seres humanos, não importa a mentira [preocupação das teorias científicas], importa que consigamos fazê-los vistos de carne e osso”.

Ou: “O importante é conseguir demonstrar que uma pessoa por trás de cada história”.

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Granada no conflito

Os motivos da rebelião aparecem conforme a perspectiva dos entrevistado(a)s, a maioria mães, que se confrontam, em grande medida, com as apresentadas pela polícia, pelo sistema penitenciária, pelo Judiciário e pelos sobreviventes.

Há o depoimento de uma avó, por exemplo, que aponta o uso de bombas no decorrer da tragédia. Se neto foi ferido no presídio, veio a ser hospitalizado, mas morreu dois dias depois.

Valois leu o trecho desse depoimento aos presentes no lançamento:

“[…] Sua mãe narra – soube por sobreviventes – que Felipe teria ficado desacordo quando os presos rebelados jogaram uma bomba ao seu lado e, enquanto a rebelião ocorria, ele suspirava no chão: ‘Ele não morreu daquele jeito, do jeito dos outros presos, foi uma bomba que jogaram e ele ficou arquejando no chão. Ele estava inteirinho, inteirinho'”.

Valois afirmou que ela se refere ao fato de Felipe não ter sido esquartejado como muitos.

“Contudo, essa declaração deixou uma curiosidade, porque até então não havia ouvido falar de bombas durante a rebelião. Mas, pesquisando entre os depoimentos no inquérito que apurou a chacina, encontrei depoimentos de presos dizendo que eles, os rebelados, possuíam granadas de estilo militar. Assim foi a morte de Felipe, aos vinte e quatro anos”.

Meias verdades

“Durante as entrevistas para este breve relato, cheio talvez de meias-verdades, uma criança apareceu correndo na sala. Seu filho, agora também já filho de sua avó: ‘O que você lembra do seu pai?’ Um dia ele me levou para passear, sempre que eu estava triste ele me fazia carinho, ele comprava as coisas para mim, agora eu perdi ele, ele já foi” (sic). Encerro com as palavras da criança, palavras de um sentimento, um sentimento-verdade”.

Foto: divulgação