Nunca o país teve tantos médicos, mas estados do Norte amargam desprezo
Medidas urgentes são necessárias para garantir acesso à saúde digna em todo o país.

Publicado em: 10/04/2024 às 20:00 | Atualizado em: 10/04/2024 às 22:56
O Brasil celebra um marco histórico: o número de médicos ativos atingiu 575.930, a maior proporção já registrada, com 2,81 profissionais por mil habitantes. Esse crescimento exponencial, impulsionado pela expansão do ensino médico e pela crescente demanda por saúde, coloca o país à frente de potências como EUA, Japão e Coréia do Sul. No entanto, por trás da conquista nacional, esconde-se um drama regional: o Norte do país, com a menor densidade médica (1,73), amargam um desprezo histórico.
A disparidade é gritante: enquanto nas capitais a média é de 7,03 médicos por mil habitantes, no interior esse número cai para 1,89.
Essa desigualdade aprofunda os desafios de acesso à saúde em áreas remotas, onde a população enfrenta carência de profissionais qualificados e infraestrutura precária.
A migração dos médicos para os grandes centros, em busca de melhores condições de trabalho e remuneração, agrava ainda mais a situação.
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Para reverter esse quadro, é fundamental que o governo implemente políticas públicas que incentivem a fixação de médicos nas regiões mais carentes. Isso inclui a criação de programas de bolsa-auxílio, a oferta de melhores condições de trabalho e a valorização profissional.
Investir na saúde do Norte não é apenas uma questão de justiça social, mas também de desenvolvimento regional. A falta de acesso à saúde impede o pleno potencial da população, prejudicando a produtividade e a qualidade de vida.
É hora de o governo federal reconhecer a importância do Norte e tomar medidas concretas para garantir que todos os brasileiros, independentemente da região onde vivem, tenham acesso à saúde digna e de qualidade.
Capitais têm quase 4 vezes mais médicos por habitante do que interior
O Brasil tem 7 médicos para cada mil habitantes nas capitais — contra menos de 2 para cada mil habitantes nas cidades do interior. O dado é da pesquisa Demografia Médica 2024, divulgada nesta segunda (8) pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), que revela um ‘boom’ de novos profissionais e vê com preocupação a desigualdade demográfica na distribuição dos agentes pelo país.
O que aconteceu
Segundo dados de 2024 do CFM, o Brasil tem 575.930 médicos. Do total de registros médicos, 330.278 trabalham nas capitais, que reúnem menos de um quarto da população do país. Já o interior, que abriga 77% da população, tem 299.789 registros médicos, menos que nas capitais.
(nota da edição: a diferença entre o número total de médicos e o de registros se dá pelo fato de que alguns profissionais têm inscrições secundárias ou pendentes de atualização).
Os números mostram disparidade entre grandes e pequenos municípios. A cada dez médicos, quase seis estão em cidades com mais de 500 mil habitantes. Já os municípios com menos de 100 mil habitantes contam, juntos, com menos de 15% dos profissionais em atividade no país.
A taxa de médicos por habitante é 12 vezes maior em grandes centros urbanos do que nas menores cidades. Em municípios com mais de 500 mil moradores, a proporção é de 6,12 profissionais para cada mil habitantes. Já em cidades com até 5 mil pessoas, há 0,48 médico por grupo de mil habitantes.
O estudo do CFM vê um “um cenário de profunda desigualdade na demografia médica”. Para o Conselho, os locais longe dos grandes centros urbanos ainda “enfrentam desafios consideráveis para reter e atrair” os profissionais.
É notável que a concentração de médicos é significativamente maior em áreas que se destacam como grandes centros econômicos, aglomerações populacionais e locais onde se agrupam instituições de ensino superior e uma vasta gama de serviços de saúde, criando assim, uma maior oferta de oportunidades aos profissionaisTrecho da pesquisa Demografia Médica 2024
Em 10 anos, número de escolas médicas quase dobrou
O Brasil tem 389 instituições do tipo, segundo o levantamento. Em 2014, eram 190.
Quantidade cresceu cinco vezes desde 1990. Naquele ano, o Brasil contava com 78 escolas médicas.
Cenário favorece ‘boom’ de médicos. Em 1990, o Brasil contava com cerca de 130 mil profissionais na área — número quatro vezes menor do que o atual. Só em 2023, mais de 35 mil novos médicos começaram a trabalhar no país e pouco mais de 500 deixaram a profissão.
Aumento foi maior do que o verificado na população como um todo. Enquanto a quantidade de brasileiros cresceu 42% no período, o número de médicos registrou crescimento de 339%.
CFM vê aumento com preocupação. Para o Conselho, não basta ter um crescimento no número de profissionais se a desigualdade na distribuição territorial também aumenta. Para Donizetti Giamberardino, conselheiro federal e supervisor do censo, a explosão de novas escolas atende a “interesses políticos e motivação mercantil”.
Nos últimos anos, houve um grande acréscimo do número de médicos formados. Isso resolve o problema de assistência à saúde no Brasil? Não. Isso só resolve se nós tivermos uma boa distribuição. Ao formarmos mais médicos, estamos concentrando-os mais em capitais e centros urbanos e não conseguimos ainda fixá-los nas cidades de difícil provimento. Há necessidade de uma política de interiorização e fixação desses profissionais.Donizetti Giamberardino, conselheiro federal e supervisor da Demografia Médica CFM 2024
Médicas já são mais frequentes que médicos em algumas faixas etárias. Entre profissionais com 39 anos ou menos, elas somam 58% — contra 42% deles. Desde 2009, mais mulheres do que homens se formam na profissão no Brasil.
Número de médicos por habitante cresce
País tem hoje 2,8 médicos para cada 1000 habitantes. O número é maior do que aqueles verificados em 2021 em países como Estados Unidos e Japão. Em 1990, havia menos de um médico para cada 1000 habitantes no Brasil.
A expectativa do CFM é que o Brasil tenha 3,63 médicos por mil habitantes até 2028. Se alcançar a marca, o país superará a densidade médica média registrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento), entidade que reúne os países considerados desenvolvidos.
Política diferente de outros países colabora para expansão. No Brasil, não há limitações para a abertura de novas faculdades de medicina. Já países europeus preferem, por exemplo, restringir a admissão de estudantes nas escolas médicas.
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Foto: reprodução