Mirico queria apenas compartilhar com seus companheiros de grupos de WhatsApp sua indignação com as condições de abandono em se encontravam o balneário público do Lira, cartão postal da cidade de Borba, no interior do Amazonas.
Porém, o prefeito local, Simão Peixoto (PP), não gostou da cobrança.
Ao invés da solução, o prefeito tornou pública uma série de intimidações ao morador, chegando ao ponto de desafiar Mirico para uma luta de MMA.
No entanto, o prefeito se viu surpreendido porque o cidadão tentou pôr fim ao histórico de intimidações que o prefeito coleciona na cidade.
Mas, quem é Mirico, que resolveu encarar a valentia do prefeito e o poder público municipal?
Trata-se de Erineu Alves da Silva, comerciante de 45 anos de idade, que estudou apenas até a 4ª série do ensino fundamental, metade estudado na zona rural de Borba.
Pouco de 24 horas depois de ter encarado Simão Peixoto, de 39 anos, Mirico conversou por telefone com o BNC Amazonas e contou sua história e a história da inusitada luta com o prefeito.
Nessa conversa, ele fala das três tentativas frustradas de se tornar vereador de Borba.
Mirico fala também do início da polêmica, dos momentos da luta e revela que o prefeito Simão Peixoto, declarado vencedor da disputa pediu para que a luta fosse interrompida.
“Ele pediu pra parar a luta, ainda faltava um minuto e meio do terceiro round. E ele pediu pra parar”, diz Mirico.
Veja e leia a entrevista que Mirico concedeu ao BNC Amazonas nesta segunda-feira, 13.
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Quem é o Mirico?
Mirico é um cara humilde, que veio lá do interior do Amazonas, de uma família tradicional de Borba. Vim para a cidade com os meus 16 anos.
Foi três vezes candidato a vereador na cidade, mas não foi feliz. Nenhuma vitória nessas vezes que eu concorri às eleições por causa de motivo de recursos. Para a política, todo mundo sabe que tem de ter recurso para ganhar uma eleição.
Eu sou comerciante, tenho um mercadinho.
Qual a sua formação, seu grau de instrução?
Estudei só até a quarta série, só.
Estudou na cidade, no interior?
Estudei um pouco no interior e conclui em Boa Vista, até a quarta série.
Boa Vista, Roraima?
É!
Qual comunidade rural você estudou?
Estudei em Guajará, município de Borba, onde a gente morava mesmo.
Você tentou três vezes ser vereador e não conseguiu a eleição em nenhuma das vezes?
Não.
Como surgiu a história até chegar a luta com o prefeito?
Foi porque eu gravei um vídeo, no Lira, né…
Lira é o quê?
Lira é um balneário, é o cartão-postal da nossa cidade. Nos dias de domingo o pessoal vai pra lá se divertir, tomar uma cervejinha, tomar um banho.
Eu fui lá e já passou um ano e pouco fechado e quando o cara [o prefeito Simão Peixoto] reabre, o Lira estava abandonado.
Era lixo, limo, sapo dentro da piscina. Aquilo me revoltou. Eu gravei um vídeo e joguei nos grupos nas redes sociais.
Aí, ele [o prefeito] ficou brabo. Eu falei no vídeo também que ele era acostumado a bater nos outros, como todo mundo sabe. Ele bateu no Adriel Cardoso.
Eu disse: já que tu é valentão, o brabão , bota pra cima de mim!
Mas, eu não propus uma luta no ringue.
As minhas palavras, “botar pra cima de mim”, que eu falei pra ele, foi pra dizer que não é só ele que existe de homem. Também tem homem igual a ele, que se acha machão, né?
Ele ficou me desafiando. Me desafiou várias vezes no grupo. Fez um vídeo de que eu tinha desafiado ele e “até hoje não tive resposta”. Me chamou de amarelão, de covarde.
Assim, eu resolvi aceitar. Eu fiz umas críticas também no vídeo dele, que eu chamei ele de pilantra, vagabundo.
Mas, eu pedi desculpa pra ele, como pessoas que têm caráter fazem isso. Eu fiz pra ele, pessoalmente, no WhatsApp, no pv [privado] dele. E ficou tudo bem.
Mas, aí, quando eu achava que não ia acontecer a luta, eu treinei pouco, treinei só uns 20 dias.
Eu treinei um mês, mas sábado e domingo ninguém treinava.
Mas ele achava que chegaria lá e iria me bater, me esmagar lá dentro do ringue, mas não é assim que funciona.
Foi teu treinamento? Quem lhe treinava? Você treinava só?
Eu treinava na academia Borba Fitness, com um rapaz que me treinou, o Brizola.
Você já havia lutado alguma vez assim?
Nunca lutei.
Nem briga de rua?
Muito difícil, eu brigava quando eu era moleque. No interior, assim… poucas vezes. Eu tinha divergência, mas brigar, assim, nunca eu tinha brigado, não.
Você se sentiu intimidado pelo prefeito, quando ele lhe chamou pra luta?
Ele botava terror. Ele botava intimidação, que derrubava boi, que fazia isso, fazia aquilo. Disse que ia me pegar lá dentro e que ia me esmagar.
Mas, eu fiquei tranquilo. Eu disse que lá dentro [do ringue], só eu e ele, não vai ter mais ninguém, porque ele, quando sai por aí, ele sai com um monte de seguranças.
Se vai brigar na rua, nem é ele que, muitas das vezes, bate nas pessoas. São os seguranças dele.
Por quê? Ele tem histórico de bater nos outros?
Ele já bateu aqui em três pessoas. Quando vai fazer uma pergunta pra ele. No caso, o menino foi fazer uma pergunta pra ele sobre o dinheiro do covid-19, “pra onde foi”, ele bateu no menino.
Ele não gosta, mas há muitas coisas no nosso município que precisa ajeitar, como a luz do Pantanal que tem mais de dois anos cortada. O Pantanal é onde os idosos praticam exercício físico de noite, mas está cortado.
Fora outras coisas: como a frente da cidade, a luz do Lira, pra Borba não tem um pedaço de fio. Tá tudo distiorado (sic), não tem energia.
Mirico, como foi a luta, num evento bancado pelo prefeito, seu oponente?
Eu estava tranquilo na luta. Eu cheguei lá, o evento já tinha começado, mesmo porque minha luta seria a última. Não me informaram que teria uma conversa antes. Não me passaram nada.
Quando eu cheguei lá, ele já estava dizendo que “meu oponente, que me desafiou, até agora não apareceu”. Estava falando um monte de coisas que não deveria. Porque, no momento que eu aceitei a luta, jamais eu iria correr, porque, quando eu assumo um compromisso, eu vou ter que estar lá naquela hora.
Eu cheguei lá ele estava finalizando as palavras, mas, quando o pessoal me viu, gritou. Depois, ele agradeceu que eu cheguei na hora já no final da confraternização dos atletas, de apresentação dos atletas.
Eu estava tranquilo tomei uma maracujina [medicamento] pra acalmar os nervos. Eu fiquei tranquilo. E ele naquela empolgação, como ele faz sempre.
Na hora da luta, ele foi pra cima de você, fez o jeito de ceifador, dizendo que iria lhe degolar. Como você se sentiu nessa hora?
Eu me senti meio preocupado, mas, pela parte dele chegar e querer me dar uma guilhotina, um mata-leão. Então, eu fiquei preparado pra isso. Foi um ato que ele mesmo me preparou, entendeu?
Porque, quando você ameaça uma pessoa, você já fica preparado. Com as ameaças dele eu fiquei preparado o máximo que eu pude, psicologicamente, como ele falava: “Olha! Eu estou preparado psicologicamente”.
E eu dizia: “Simão, eu não estou preparado nenhum momento pra essa luta, porque eu nunca lutei. Sou um cara amador. Nunca lutei e essa será a primeira vez que eu vou lutar. Mas, se for pra lutar, a gente vai lutar. Na hora você vai saber meu potencial. Se você ganhar, você ganhou; se eu ganhar, eu ganhei. E pronto!”
O prefeito é lutador?
Não. Nunca lutou.
Na hora da luta, vocês ficaram cara a cara, como foi esse momento pra você?
Rapaz, pra mim, só veio a vontade de lutar mesmo. Porque ali não tem mais o que esperar, né? A partir do momento que o árbitro libera a luta não tem mais o que fazer, pensar em outras coisas. É fazer o que você aprendeu naquele pouquinho de tempo que eu treinei e partir pra cima, como eu fiz.
Dei vários chutes nele, recebi um soco, mas me levou pro chão como está na gravação, mas eu consegui reverter.
Ele falava que derrubava boi, passava por cima do boi, amassava o boi, mas eu não vi aquela grande força que o pessoal falava.
Se ele, realmente, fosse forte como eles me passavam, ele teria me derrotado.
Mas ele pediu pra parar a luta.
Nem chegou ao fim do terceiro rounde e ele disse que eu tinha furado o olho dele.
Em nenhum momento eu meti o dedo no olho dele. Ele pediu pra parar a luta, ainda faltava um minuto e meio do terceiro roundr. E ele pediu pra parar.
Ali ele finalizou a luta, como dizendo que ele manda, entendeu?
Mandou e ponto! Os caras pararam e, pelos socos e pelos chutes que eu dei nele, eu acho que eu teria vencido a luta.
Mas, como ele é o dono do evento, ele ganhou o cinturão da luta.
Eu queria que você contasse o momento em que você aplicou um chute no prefeito que ele ficou desequilibrado. O que você sentiu naquele momento?
Aquele momento ali eu… Porque as pessoas diziam assim: foi o primeiro chute que eu dei nele, porque dizia: quem der o primeiro já vai estar na frente. Então, eu tomei a atitude ali, a iniciativa de dar o primeiro. Ele sentiu o peso logo.
Só eu que fui assim mesmo fraco, porque era pra eu ter corrido em cima dele como ele fez no outro rounde. Na hora que eu caí, ele caiu por cima de mim.
Era pra eu ter finalizado a luta ali, naquele momento. Ter corrido pra cima dele na hora que ele caiu e ter montado em cima dele.
Você viu o momento que seu chute tirou o prefeito do chão?
Ele levantou meio mancando, na hora que eu dei aquele chute. Ele levantou meio mancando. Eu dei um cruzado, ele tornou a cair de novo. Eu vi que ele sentiu.
No terceiro rounde, você foi jogado ao chão com um soco que o prefeito lhe aplicou. Como você recebeu esse golpe?
Não. Naquele momento que ele me acertou, eu tentei me esquivar, tentei… me joguei ali pra esquerda, para sair do golpe. Foi um golpe mesmo que ele me acertou. Foi aí que ele me abraçou na final, que foi nessa hora que ele finalizou a luta.
Como foi, para você, o momento que o prefeito teve o braço levantado como vencedor da luta?
Rapaz, foi um sentimento de vitória pra mim, porque eu nunca lutei, eu cheguei até lá naquele ponto, né? Mas ele, como gestor da cidade, não é que ele tenha ganhado a luta, mas pelo evento que foi patrocinado todo por ele.
O pessoal do evento deu por mérito pra ele, eu acho. Talvez seja assim.
Mas, pela arrecadação dos alimentos que serão fornecidos para patrocinar várias famílias.
Para mim, a vitória não seria muito importante por causa que as famílias que vão receber esse alimento têm muitas famílias que precisam muito.
O que era mais importante pra você?
Seria ser o vencedor da luta. Mas, tem dois pontos: nesse Natal solidário seria dois pontos importantes.
Mas, pra eu sair vencedor, só se eu tivesse nocauteado ele. Tivesse ganhado por pontos não haveria vitória pra mim, como realmente aconteceu.
Mirico, hoje você se tornou uma figura conhecida na cidade, no estado e nacionalmente. Moradores de Borba já lhe tratam como herói. Você se sente um herói?
Eu me sinto feliz de ter participado desse evento e sair de lá bem, porque eu tinha medo de enfrentar um adversário e ter saído com uma fratura, com uma lesão grave. Isso me deixa feliz de ter participado e não ter tido nenhuma lesão grave.
Tive um soco no rosto, mas eu tô feliz porque eu deu o meu máximo, fiz o que deveria ter feito. Poderia ter feito melhor, mas fico feliz pelo aconteceu dentro do ringue, mostrando pra população de Borba que eu também sou capaz de fazer algo pelo povo.
Essa luta pode ser a retomada de sua luta política, pra você que tentou três vezes ser vereador e não se elegeu?
Talvez possa ser que a gente chegue lá no patamar de vereador para mostrar pra população de Borba que a gente pode fazer um trabalho diferente, porque os vereadores que ganham a eleição em Borba a gente não vê o trabalho deles.
O trabalho deles é um trabalho sigiloso, calado. Não mostra o que está fazendo.
Pra mim, o vereador responsável, tendo algo errado, tem que mostrar pra população o que você está fazendo.
Ser vereador não é só chegar o fim do mês e receber.
Coragem você já demonstrou…
Sim. A gente tem que ter objetivo e coragem.
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