O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) deram prazo de 60 dias às secretarias de saúde do estado e do município de São Gabriel da Cachoeira para que ofereçam médicos da saúde da mulher, nas áreas de ginecologia e de obstetrícia.
De acordo com a recomendação do MPF e DPE-AM, os médicos especialistas devem atuar na rede de saúde do município, especialmente quanto aos serviços de atenção à gravidez de alto risco.
Nesse mesmo prazo – 60 dias – o secretário de saúde do estado do Amazonas deverá fazer a ampliação do contrato de fornecimento de médicos obstetras para o Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira (HGU), em número adequado ao atendimento da demanda existente.
Tais recomendações foram feitas procuradora regional da República dos Direitos do Cidadão, Michele Diz Y Gil Corbi, pelas defensoras públicas, Caroline Pereira Souza e Isabela do Amaral Sales (polo Alto Rio Negro) e pela coordenadora do comitê multi-institucional de enfrentamento à violência obstétrica, Suelen Paes dos Santos Menta.
As procuradoras e defensoras públicas também recomendaram à Secretaria Municipal de Saúde de São Gabriel da Cachoeira que contrate profissionais de saúde para operar equipamentos de ultrassom e de mamografia que estão no HGU.
Assim como ao diretor do Hospital de Guarnição para disponibilizar esses equipamentos para além do uso emergencial e urgência e que os exames sejam disponibilizados a toda a população de São Gabriel da Cachoeira.
Responsabilidade judicial
O MPF e DPE querem ainda o cumprimento da Lei da Acompanhante, a fim de que toda parturiente tenha direito a ter alguém consigo durante o pré-natal, o parto e o puerpério (pós-parto).
Outra recomendação, de acordo com a lei, prevê que a parturiente seja a única pessoa a decidir quem vai lhe acompanhar, independentemente de sexo, gênero, grau de parentesco ou outras circunstâncias do (a) acompanhante.
Caso as autoridades de saúde do estado e do município de São Gabriel da Cachoeira não atendam às providências no prazo estipulado, poderá haver responsabilização dos entes recomendados, sujeitando-o às consequentes medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
Mortalidade materna
Todas as essas recomendações são por causa do alto índice de mortalidade materna no estado do Amazonas. Em 2021, as mortes totalizaram 113, sendo 70 deles na capital Manaus, conforme dados da Fundação de Vigilância Sanitária (FVS-NA).
Segundo dados do Ministério da Saúde, em média, de 40% a 50% de causas para a mortalidade materna podem ser consideradas evitáveis.
A DPE-AM catalogou cerca de 239 denúncias de violência obstétrica entre os anos de 2019 a 2021, oriundas das ouvidorias das maternidades de Manaus, conforme dados colhidos no procedimento para apuração de dano coletivo (Pdac)
Bem como cerca de 60 denúncias apresentadas nos órgãos de atendimento da defensoria no mesmo período.
Visita in loco
Representantes do MPF, da DPE e de agências da ONU fizeram uma visita in loco ao município de São Gabriel da Cachoeira, entre os dias 29 de novembro e 01 de dezembro de 2022.
Na ocasião foram realizadas diversas reuniões com órgãos públicos e lideranças locais dentro do evento denominado “21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”.
Em suma, o encontro buscou trazer reflexões sobre os cenários da violência de gênero contra meninas e mulheres e suas vulnerabilidades.
Amazonas tem alto índice de mortalidade materna.Em 2021, as mortes totalizaram 113, sendo 70 deles na capital Manaus. Foto: Freepik
Falhas no serviço
Durante as diligências realizadas no período, especialmente reuniões com autoridades públicas e lideranças locais, foram constatadas falhas no serviço de saúde prestado à mulher em razão do seu estado de gravidez, que inclui o pré-natal, parto e puerpério.
Em uma das reuniões, com o subsecretário de Saúde de São Gabriel da Cachoeira, foram expostas algumas situações, entre as quais a dificuldade de contratação de médicos especialistas pela prefeitura.
Assim como a existência de convênio com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) para realização de serviços de telemonitoramento do pré-natal de alto risco e das intercorrências obstétricas em áreas remotas do Amazonas;
Desse modo, com as equipes dos Distritos Sanitários de Saúde Indígenas (Dseis) do Alto Rio Negro e Yanomami, foram abordadas diversas dificuldades na assistência às mulheres na sede do município, especialmente quanto ao acesso das pacientes aos serviços ofertados.
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Falta profissional
Por outro lado, no Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira, foi constatada a presença de apenas uma profissional obstétrica para atendimento da demanda especializada, o que, além de sobrecarregar o serviço, deixa-o descoberto durante as trocas semanais de profissionais.
“Obtivemos a informação de que as cidades de Tabatinga e Tefé possuem contratos similares com um número maior de profissionais, mesmo diante de histórico grave de óbitos em São Gabriel da Cachoeira”, relatam as representantes do MPF e DPE-AM.
Condutas ofensivas
Na recomendação, as procuradoras e defensoras públicas do MPF e DPE/AM citam resolução do Ministério da Saúde (RDC 36/2008) que estabelece padrões para o funcionamento dos serviços de atenção obstétrica e neonatal.
Além disso, mencionam também a Lei Estadual nº 4.848/2019, que prevê como conduta ofensiva, abusiva e violenta o descumprimento das diretrizes terapêuticas de parto normal e cesariana.
Chaga social
“O manual de gestação de alto risco, do Ministério da Saúde (2022), reconhece que a mortalidade materna é uma das maiores chagas médico-sociais que maculam nosso país.
Com uma predileção especial para acometer mulheres mais vulneráveis, o óbito materno vai além das questões ligadas ao acesso a pré-natal de qualidade, assistência ao parto seguro e cuidado puerperal apropriado.
Porquanto, essa questão diz respeito também às fragilidades do planejamento familiar, em especial no risco reprodutivo, aos grandes desertos sanitários do país continental e a um eficiente sistema de referência e contrarreferência para atender os casos mais graves.
O estupor só aumenta quando a avaliação das mortes revela a evitabilidade dos óbitos em 90%”, afirmam as procuradoras e defensoras públicas em suas recomendações.
Foto: Pedro Sibahi/UNFPA Brasil)