A pergunta que dá título a esta reportagem reflete o cenário de incertezas que vivem os moradores da comunidade São Francisco Xavier, conhecida também como boca das Piranhas, na zona rural de Barreirinha.
De 23 a 25, o povoado sofreu deslizamentos de terra no paraná do Ramos, afluente do rio Amazonas, nas proximidades da divisa com o estado do Pará.
Trata-se de uma ocorrência até certo ponto corriqueira, conhecida na região como terras caídas. É quando o terreno das margens do rio, geralmente de várzea, é arrastado pelas águas.
No caso da comunidade, a perda foi total, mas felizmente sem vítima fatal. A parte da vila que não foi arrastada teve de ser interditada, com a necessária evacuação de seus moradores, que eram de cerca de 200 pessoas.
É o caso de Maria de Souza Carvalho, de 73 anos. Ela disse ao BNC Amazonas nunca ter visto nada parecido antes. “Nunca eu vi essas coisas, é a primeira vez isso, eu fiquei muito assustada”.
Moradora há mais de 50 anos, ela lamentou ter que deixar tudo para trás e se abrigar na casa da filha, na sede do município.
Emocionada, por telefone, ela contou ao BNC Amazonas sobre a situação da comunidade. “Sinceramente, eu choro por ver a nossa comunidade terminando, caindo tudo, as casas, tudo caindo, e é isso que me dói muito”.
Em um misto de despedida e tristeza, dona Maria recordou suas melhores lembranças na comunidade. Como o futebol, que acontecia no campo em frente à sua casa. E o culto dominical na igreja do padroeiro São Francisco Xavier.
“Eu me lembro de muitas coisas, do jogo de futebol que eu gosto muito de espiar. O negócio da igreja, eu sou uma pessoa engajada lá na igreja, tempo de adoração, dia de quinta-feira, dia de domingo, o culto dominical. Tudo isso eu me lembro muito”.
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Sonho da volta
Ainda sem um parecer da defesa civil do município, os moradores não sabem se será possível voltar para a comunidade.
Mas, se depender de dona Maria, a volta ao lugar onde criou sete filhos de um casamento de 58 anos com o falecido Raimundo Carvalho, o “Mimica”, um dos fundadores da comunidade, é certa.
“Eu não quero sair de lá não, eu não quero. Até a minha filha ligou também pra mim, queria que eu fosse lá pra Manaus. Eu não quero ir não, não quero largar. É toda minha história essa comunidade. Meu marido foi presidente, muitos anos, ele foi presidente. Eu ajudava muito ele”.
Ela disse que sua casa foi desmanchada para ser construída em outra área da comunidade. O que, para dona Maria, não é problema. Desde que continue na vila.
“Eles falaram que iam mudar as casas mais pra trás. A minha já tiraram desde do dia que aconteceu isso. Eu não voltei mais pra lá porque já estava em perigo, já estava rachada e, antes que ela caísse de uma vez, eles mandaram tirar e estavam tirando pra botar pra trás”.
Católica fervorosa, dona Maria disse que reza o terço mariano todos os dias pedindo “a Deus que não caísse mais a terra, que eu queria voltar pra lá de novo”.
“Meu plano é arrumar minha casa, se arrumarem minha eu vou me embora pra lá, ainda mais se parar de cair, porque eu vou ficar lá pra trás, e fazer o assoalho meio alto no tempo da cheia que é pra mim ficar pra lá”, disse.
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“Uma família”
Dias após os deslizamentos, o pescador Neucimar Rodrigues, de 42 anos, 22 dos quais morando na boca das Piranhas, foi um dos que permaneceram na comunidade para ajudar os afetados pelo sinistro.
“A gente tá trabalhando lá, está ajudando no que a gente pode. O desastre lá foi total, não só com eles, as quatro casas que perderam, mas a comunidade toda, porque a gente se considera família e está tentando ajudar de toda forma possível”.
Conforme afirmou ao BNC Amazonas , sua casa fica distante do local de deslizamento, mas mesmo com risco de que tudo aconteça de novo, Neucimar disse que quer ficar na comunidade.
“Eu pretendo continuar aqui, na minha área, onde tem minha casa, a família, as coisas da gente. Eu pretendo continuar aqui, e várias pessoas que eu conheço continuam tentando levar a vida aqui mesmo”.
Ele contou que toda a comunidade se uniu em solidariedade diante da incerteza do amanhã, de famílias que não sabem se um dia vão poder voltar às suas casas.
“A gente tava ajudando com trabalho, tentando tirar o resto que sobrou das casinhas deles, fazer o local pra eles suspenderem os bagulhos que eles tiraram, porque tá no mato, jogado no chão. […] E aí a gente tá tentando levantar um barroco até que a prefeitura construa. E eles estão pedindo também pra ajudar eles. Mas, a gente tá dando a maior força pra eles, trabalhando e tentando ajudar da forma que pode”.
Confira algumas fotos de como ficou a comunidade:
Foto: Juliano do Click
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Foto: Juliano do Click
Foto: Juliano do Click
Foto: Juliano do Click
Foto: Divulgação
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Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
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Ações da prefeitura
Ao BNC Amazonas, a Prefeitura de Barreirinha apresentou um balanço de ações para ajudar as vítimas do deslizamento.
De início, a doação de alimentos, água mineral, colchões, redes e cobertas de dormir, materiais de limpeza e higiene pessoal, e outros.
Ao mesmo tempo, os setores de assistência social coletou dados dos comunitários para emissão de novos documentos e o de obras avaliou o que pode ser reconstruído.
Famílias foram transferidas para outras localidades e sede do município, para abrigo temporário.
Thaiana Carvalho, de 31 anos, filha de dona Maria, é uma das moradoras da comunidade que precisou se abrigar em um hotel em Barreirinha com sua família de cinco filhas.
Ela disse estar traumatizada após os deslizamentos e acorda assustada, lembrando de tudo que os moradores sofreram.
“Até hoje eu acordo de madrugada assustada, parece que tá desmoronando. Porque fica na cabeça da gente aquele trauma de sair correndo a noite com as crianças, com a mamãe que é idosa. Então, é uma situação muito difícil que a gente acha que não vai acontecer com a gente. Nunca tinha visto uma tragédia dessa”.
Thaiana comentou como estão vivendo agora, com a mudança repentina.
“É completamente diferente do ambiente que a gente tava acostumado, as crianças brincando, tinha espaço pra brincar. Tava acostumada com o campo, com a liberdade, e isso na cidade não tem esse espaço, essa liberdade de tá brincando. Então, é uma situação muito difícil pra gente mudar, tão rápido, de uma maneira tão difícil e complicada como foi. Tivemos que sair correndo sem nada por conta da terra que tava caindo”.
Reconstruindo
De acordo com a prefeitura, uma reunião ocorreu neste dia 29 para uma reorganização do espaço após a tragédia.
“Nós ainda temos alguns serviços públicos importantes para executar aqui na comunidade. E precisamos saber da comunidade se todos estão de acordo para levarmos daqui pra frente uma reorganização desse espaço que sofreu uma grande compactação pelo acontecimento natural”, disse o prefeito Glênio Seixas.
Além disso, a prefeitura afirmou que vai ajudar os moradores na reconstrução de suas moradias.
Foto: Divulgação