Raimundinho Dutra, 93 anos do artista dos versos e poesias azuladas

Pioneiro dos poetas musicais, ele foi homenageado no #Toadas/BNC, no sรกbado

Raimundinho

Wilson Nogueira, especial para oย BNC Amazonas

Publicado em: 15/05/2023 ร s 16:55 | Atualizado em: 15/05/2023 ร s 17:24

O servidor aposentado da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Raimundo Nonato de Jesus Dutra, 93 anos, o poeta Raimundinho Dutra, foi homenageado, nesse sรกbado, na live #Toadas, transmitida ao vivo pela plataforma Brasil Norte Comunicaรงรฃo (BNC).

O #Toadas acontece todos os sรกbados, das 14h ร s 17h, no hall da Pousada Paraรญso, localizada na margem do Igarapรฉ do Tarumรฃ, e tambรฉm รฉ veiculado, em formato editado, pelas contas do BNC nas redes sociais e no YouTube.

O poeta gravou a participaรงรฃo na sua casa, na Cidade Nova, ao lado da esposa, Arlete Dutra, 83 anos, de filhos, filhas, netas e netos, em razรฃo da idade avanรงada, mas demonstrou vitalidade e intimidade com a roda de toada tradicional.

Ele chegou para se integrar ao grupo de mรบsicos com a forรงa e disposiรงรฃo de um jovem brincante: saudou com as mรฃos erguidas para alto e atirou beijos para a plateia.

Seus cabelos brancos e longos exibiam um rabo de cavalo tecido com delicadeza.

Logo se entrosou com os mรบsicos Neil Armstrong (violรฃo), Geraldo Brasil (violรฃo), Rei Azevedo (voz), Paulinho Dutra (voz), Henrique Dutra (caixinha), Joรฃo Aroldo Dutra (surdo), Josรฉ Rosรกrio Dutra (surdo) e Vitรณrio Dutra (cheque-cheque).  

Raimundinho Dutra faz parte da pioneira geraรงรฃo de poetas dos bois-bumbรกs de Parintins, ao lado de Luiz Gonzaga, Lindolfo Monteverde (fundador do boi-bumbรก Garantido), mestre Vavazinho, mestre Ambrรณsio e Edmundo Pitombeira, que tรชm suas canรงรตes imortalizadas pelas galeras (torcedores) de Caprichoso e Garantido.  

Compositor de primeira hora do Caprichoso, ele disse que perdeu o nรบmero de toadas que compรดs para โ€œo boi-bumbรก amadoโ€, mas recorda que, para o Garantido, fez apenas uma.

Todas, entretanto, devem ser tรฃo belas quanto as que cantou para o #Toadas.

Seus versos e melodias carregam uma poesia de profunda reflexรฃo, visรฃo universal e, ao mesmo tempo, รญntimos dos terreiros (hoje currais) de bois-bumbรก e do cotidiano parintinense.

โ€œDedico toda a minha vida, todos os meus passos ร  minha querida Parintinsโ€, disse.

#Toadas/BNC em homenagem

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Poesia azul desde os 14 

O poeta, nascido em Parintins, migrou para Manaus em 1966, onde trabalhou na construรงรฃo civil e no Distrito Industrial; passou uma temporada no Rio de Janeiro, em tratamento de saรบde, e quando retornou assumiu o quadro de seguranรงa da Universidade do Amazonas (UA), hoje Ufam.  

A distรขncia nรฃo o afastou do Caprichoso, seja pelas idas a Parintins, seja pelas vindas de Parintins ร  sua memรณria de artista dos versos.  

Aqueles que a memรณria hoje nรฃo alcanรงa, imediatamente, basta o start dos mรบsicos para que os cante com desenvoltura e envolvimento juvenil.

Entusiasma-se, ergue as mรฃos para a altura do peito e simula o uso de um cheque-cheque. Aqui e acolรก o poeta se emociona, chora, enxuga as lรกgrimas e segue cantando e relembrando episรณdios da histรณria do boi-bumbรก Capricho, para o qual compรตe e canta desde 14 anos.

Ele estreou com os versos de uma tirada: โ€œBalanceou, Balanceou/ Eu quero ver balancear/Nego Chico tira a lรญngua/Pra amanhรฃ nรณs almoรงarโ€.  

Raimundinho Dutra foi um dos amos do Caprichoso atรฉ se mudar para Manaus. 

A gravaรงรฃo comeรงa com a toada “Campeรฃo da Terra”, uma ode cabocla cujos versos dรฃo destaque planetรกrio ao Caprichoso, o seu brinquedo querido, que รฉ apresentado como lutador, vencedor, o maioral do pedaรงo, e ricamente enfeitado.

O versador quer โ€“ e consegue โ€“ encantar os brincantes e plateias com a exaltaรงรฃo dos atributos do seu bumbรก.  

Boi caprichoso

Boi campeรฃo da terra

A marujada รฉ de guerra

Por isso รฉ considerado

Em toda batalha รฉ o vencedor

Em toda batalha รฉ o vencedor

Na Ilha Tupinambarana

Ele รฉ o rei sim senhor

Ele รฉ o rei sim senhor

Quando eu nasci foi cantando

Nรฃo aprendi na escola

Eu sou do boi caprichoso

Touro bonito e elegante

A madeira dele รฉ cravada

De ouro prata e brilhante

A madeira dele รฉ cravada

De ouro pra e brilhante

Mรฃe pastorinha

A pedido dos mรบsicos, Raimundinho Dutra cantou a toada que homenageia a sua mรฃe, Sรฉ Souza Mendes, dona Sila Marรงal, personagem legendรกria, por ser a primeira โ€œdonaโ€ de pastorinhas em Parintins, e por praticar a bondade, a solidariedade e a compaixรฃo.

Dona Sila (falecida) รฉ negra, filha do Marรงal Mendes e Assunรงรฃo Mendes, provavelmente naturais da regiรฃo de Cametรก (PA).

Ele, branco, filho de espanhรณis, e ela, negra, filha de escravizados, se apaixonaram e se casaram.

Marรงal Mendes, contrariado com a escolha do filho, o deserdou e, por isso, o avรด a avรณ do poeta se mudaram para Parintins (AM).

A toada de Raimundinho Dutra fez para homenagear dona Sila exalta a negritude e a sua atuaรงรฃo como agitadora cultural.

Oh! Menina, menina de cor

Quantas alegrias nos destes

Coraรงรตes de amaram

Coraรงรฃo te amou

Pastorinhas cavam

Bumbรกs se digladiavam

No gorjeio dos pรกssaros

As palinhas queimavam

De emoรงรฃo choravam

As lembranรงas rolavam

Sua virtude encantou

Deus glorificou o folclore famoso

Meu Parintintins glorioso

Menina Sila sempre de pรฉ

A grandeza nos ornamentou

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Adeus, sereia!

O filme protagonizado pelo poeta ficaria incompleta sem o canto da “Sereia”, toada de despedida e dotada de forรงa e beleza poรฉtica incrรญveis.

“Sereia” estรก, invariavelmente, presente nas rodas de toadas ou mesmo nos ensaios de curral, a pedido dos brincantes e das planteias.

Nesta toada, a mรกgica da poesia desafia a compreensรฃo ordinรกria das leis da natureza para pintar um belo e imaginรกrio quadro de palavras que se movem constantemente.

Urrou meu boi, cantou sereia

Urrou meu boi no mar

Jogando peixe na areia

Boi Caprichoso urrou!

E a morena chorou

Adeus, morena o galo jรก cantou

Adeus morena eu jรก vou

Adeus morena eu jรก vou

Casa cheia de amigos

โ€œEle sempre foi assim, meio boรชmio. A nossa casa sempre esteve muito cheia de mรบsicos amigos. As rodas de toadas sempre foram constantesโ€, explica dona Arlete, mulher do poeta hรก setenta anos.

ร‰ ela quem avisa que estรก na hora de o poeta descansar.

Homenagem de 2017

Foto: BNC Amazonas