Por Thomaz Antonio Barbosa
Peguei a estrada para Rio Preto da Eva em um sábado chuvoso de abril, dia 1º, 17h, saindo de Manaus. A cidade fica a 76 quilômetros da metrópole, no caminho para Itacoatiara. O trecho é rápido, e em menos de uma hora estaria na Terra da Laranja, que agora se prepara também para ser da piscicultura.
O município tem 35 anos de vida e história. Formado basicamente por colonos brasileiros e japoneses, surge por meio de um ato do governador José Lindoso , em dezembro do ano de 1981, emancipando a então colônia agrícola instalada em fins do ano de 1967.
A rodovia AM-10 escureceu e se fechou na minha frente em uma cerração temerária. Apesar de tudo, é uma pista tranquila, porém estreita e sinuosa, que precisa de atenção e de uma intervenção urgente do ente público.
Segui na neblina e encontrei uma cidade eufórica, comemorando o seu aniversário. Desde sexta-feira recebia visitantes de toda parte, o lugar que mais concentrava gente por metro quadrado em todo o Amazonas.
Rio Preto da Eva é extremamente comercial e acolhedora, com vocação enorme para ser grande. A infraestrutura hoteleira já dispõe de excelentes acomodações. A gastronomia é vasta e apetitosa, o paladar é farto nessas paragens. Come-se peixes, carnes e aves, ao melhor sabor da serra, aliás, da mata.
Uma culinária diversificada, com traço amazônico forte e influências de todas as regiões do país. O clima é bom, a hospedagem também, mas se você tem o sítio de um amigo para ficar dispense a pousada ou o resort.
Fui ao centro de convenções e o encontrei tomado por pessoas que foram apreciar a festa. E lá estava eu, cantando e dançando na chuva, ou melhor, no chuvisco, totalmente ambientado na cidade.
Nesses dias de festas as atrações nacionais, diga-se de extremo bom gosto, tropeçam na gente em qualquer esquina do interior.
E os festejos varam a madrugada e até amanhecem o dia em uma harmonia campo-cidade indescritível.
Eu precisava sair da chuva e procurar meu abrigo. Cruzei todo o perímetro urbano, segui em frente na rodovia, entrei na ZF-7, sob um nevoeiro forte e uma chuva castigante e insistente.
Depois de idas e vindas, encontrei o sítio Santo Antônio, no Km 3 do ramal. É bom dormir assim, exausto, em um paraíso desses, o que torna o acordar um suplício, apesar de que a natureza nos expulsa da cama logo cedo.
Saí para ver o amanhecer sob a névoa rasa da Amazônia e desfrutar da floresta, uma coisa rara, um direito nato aos daqui.
A propriedade se perde na vista ao nascer do sol. Faz parte do projeto agropecuário. Claudemir Bentes, o anfitrião, e eu, fomos comer ingá no pé e tinham muitas ingazeiras; depois, visitar a plantação de cupuaçu, o coqueiral e, para completar a elevação espiritual, um banho de igarapé, em piscina natural. Um desfecho supremo.
Era hora do café e o Rio Preto da Eva é uma terra de muitos sabores, o paraíso dos cafés, onde a base é tapioca, tucumã, queijo coalho e banana.
Mas, nada como o de casa, morno e aconchegante, preparado com as frutas colhidas no pomar.
O almoço é profano. Comi galinha caipira à cabidela, com macaxeira e ervas de quintal. Um ultraje à gula. Nem a corte de Dom João fora tão bem recebida nas terras tupiniquins. Agora era esperar a tarde chegar e a preguiça ir embora para encarar a estrada de volta para casa.
Deixei o sítio Santo Antônio, na ZF-7, no domingo, 2 de abril, por volta de 15h, ainda com um roteiro a cumprir.
Segui na rodovia que corta a serra em duas, destino a Manaus. À esquerda do viajante, entrando na área urbana, o Cristo Redentor abençoa moradores e visitantes; à direita da via está a igreja de cavacos, do padroeiro São Pedro, um dos templos mais belos do mundo, em ruínas.
Com uma população predominantemente católica, os dois monumentos são vistos de qualquer ponto da cidade.
Rio Preto não é de tradição ribeirinha. Seu nome deriva de um afluente não navegável do rio Amazonas, mas que acaba por se configurar no portal da cidade, fato que a torna também balneária, com águas escuras e frias, agradabilíssimas, singrando a mata, serpenteando a floresta.
É o maior atrativo local, o ponto que mais concentra gente em dias normais e festivos e que, seguramente, alavanca a economia local.
Fiz boas fotografias, que compartilho aqui com os amantes da natureza e da beleza que há nas nossas simples e acolhedoras cidades.
Estátua do Cristo, símbolo da cidade hospitaleira
Laranja, alavanca da economia do lugar
Igreja dos cavacos, a clamar por socorro
Vista geral da entrada da cidade
Teria que voltar para casa, a hora me apressava, mas tinha gente por toda parte, o mercado era um formigueiro humano, espaços eram disputados na areia, na grama, nos bares e nos restaurantes, tudo ainda estava em festa. Era preciso cautela para prosseguir.
Enfim, peguei a estrada já com o sol brando e uma hora após estava em Manaus, no finalzinho da tarde de domingo.
Encontrei uma metrópole alucinada, com um trânsito excessivamente pesado, tomada de veículos, as ruas e as calçadas.
Enfim, de volta à realidade caótica, mas com as baterias recarregadas. E logo, assim que possível, vou a outra cidade para trazer ao leitor o melhor do nosso interior amazônico, e convido-o a fazer o mesmo. Asseguro: será uma experiência inesquecível.
Fotos: Antônio Barbosa/cedidas exclusivamente ao BNC