O mercado tem agora duas opções industrializadas de bebidas infusíveis extraídas do caroço do açaí, fruto amazônico cuja polpa é consumida largamente in natura , na culinária e na forma de sorvetes.
O cafessaí e o chá de açaí surpreendem os consumidores. Eles são feitos do caroço torrado e moído do fruto, antes largado na natureza sem qualquer preocupação ecológica.
Os dois produtos foram desenvolvidos pela Cafessaí da Amazônia, com fábrica em Manaus, por meio de pesquisas apoiadas por instituições públicas e privadas.
As novas bebidas extraem-se por infusão, assim como os são o “cafezinho” e os chás de folhas e cascas de plantas regionais.
Ambas, segundo o fabricante, é um alimento funcional, com capacidade de beneficiar o organismo e contribuir para uma boa saúde e bem-estar de quem as consome.
“Juntamos conhecimento e técnica para extrair o melhor sabor e os principais nutrientes do caroço do açaí. O açaí com o sabor de café gourmet pode ser consumido até sem açúcar”, acentua o empreendedor
Charley Oliveira.
Oliveira adianta que tem como meta atender, também, o mercado importador de novos sabores da Amazônia.
Fórmula ideal
Há ao menos vinte anos, Oliveira, nascido em Codajás (AM), tentava – e conseguiu – transformar o caroço do açaí nas duas bebidas.
Fórmula
Mas, somente há três anos, ele chegou a uma fórmula ideal, com 30% de café e 70% de caroço do açaí, para obter o cafessaí, e o chá com 100% do novo insumo.
Oliveira explica que o produto seguiu várias etapas de aprimoramento. Ele cita estudos em laboratórios, degustação pública, acompanhamento e aprovação sommelier.
Também passou pela aprovação dos órgãos que controlam e fiscalizam a produção de alimentos.
“Hoje temos as fórmulas das nossas bebidas, as quais estão protegidas por lei”, explicou Oliveira.
Mas adianta que tudo começa na escolha dos fornecedores dos caroços, que precisam ser famílias de produtoras da polpa de açaí, passa pela estocagem, secagem, transporte, torrefação, trituração e empacotamento.
Mercado com princípios da bioeconomia
“A Cafessaí é uma startup em grau de alcance de mercado que atende aos princípios da bioeconomia pensada para a Amazônia”, afirma Oliviera.
A empresa, segundo ele, prioriza a inclusão social, o cuidado com o meio ambiente, e a sustentabilidade econômica.
Atualmente, a startup processa até quatro toneladas de caroço de açaí por safra. Todo o insumo vem do município de Codajás (AM), o maior produtor estadual do fruto.
Na ponta da cadeia produtiva estão envolvidos 15 batedores do produto, que envolvem, aproximadamente, 750 pessoas beneficiadas com renda no pós-safra. O empreendedor destaca ainda o fato de comprar os caroços procedentes de açaizais plantados com finalidade comercial.
“Antes, essas famílias faturavam na safra de seis meses, de janeiro a julho, e agora têm ganhos ano inteiro, com uma matéria-prima que antes era desperdiçada”, acentuou.
Os fornecedores da Cafessaí estão, inicialmente, em Codajás, mas Oliveira explica que existem açaizais de plantios em Beruri, Caapiranga, Anamã, Apuí e Humaitá, no Amazonas; e na parte sul de Rondônia.
Distribuição
O primeiro sinal de que as bebidas da Cafessaí deslancham no mercado vem de aceitação de consumidores de grandes empórios e supermercados.
“Hoje nossas bebidas estão nas prateleiras das unidades do Pátio Gourmet, em outros supermercados, em loja do mercado Adolpho Lisboa, na área portuária de Manaus, e do aeroporto internacional brigadeiro Eduardo Gomes, para atender turistas brasileiros e estrangeiros”, afirma o empreender.
A meta de Oliveira, entretanto, é alcançar locais onde se conhece e se consume açaí. Podem-se citar Sudeste e Sul do Brasil, na Europa, EUA e Oriente Médio. A marca, com dois ‘esses’, faz parte dessa estratégia. “O ç não existe em espanhol”, explicou.
Para ele, a conquista de novos mercados eleva ao Amazonas a potência da bioeconomia, uma vez que estimula outros empreendedores em inovar e criar produtos.
Herança ancestral
O açaizeiro, palmeira amazônica, produz matéria-prima para alimentos e equipamentos de usos diversos dos povos ancestrais da Amazônia.
Pesquisas antropológicas e arqueológicas indicam que essa e outras plantas, entre elas a mandioca, foram selecionadas e disseminadas por populações que chegaram à Amazônia por volta de 10 mil anos antes da era cristã.
Elas foram importantes e necessárias para o surgimento de sociedades com alto grau de conhecimento sobre os ecossistemas amazônicos.
Do açaizeiro, por exemplo, extraem-se o palmito, o fruto, para a produção de suco ou papa, para consumo in natura , como complemento alimentar. Utiliza-se também como madeira. Nesse caso, para a construção de casas, assoalhos, cercas e giraus; e palhas para a fabricação de coberturas, cestos e enfeites.
Estratégias dos povos indígenas
“[…] esses povos enriqueceram a floresta, por meio de estratégias que chamamos de agroecológicas
[…] achamos que somos mais avançados e não temos a menor ideia do que fazer com esse patrimônio biocultural. Os povos indígenas não; eles têm estratégias sofisticadíssimas que desenvolveram ao longo de milhares de anos”, explica o arqueólogo Eduardo Góes Neves.
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Obra mostra como ação de indígenas moldou a Amazônia
O pesquisador Renan Freitas Pinto, no seu livro A viagem das ideias (Valer), acentua que palmeiras das margens dos rios da Amazônia, observadas com frequência pelos viajantes europeus dos séculos 17, 18 e 19, compõem as florestas culturais da região.
Floresta
Assim sendo, ele concorda que, em grande medida, povos ancestrais plantaram a floresta amazônica. Ou seja, que não houve somente disseminação por outros animais.
Foto: Wilson Nogueira