O Brasil à procura de si mesmo

Walmir de Albuquerque Barbosa reflete sobre a crise política, a ameaça às instituições e a necessidade de manter viva a busca por um futuro democrático.

Por Walmir de Albuquerque Barbosa*

Publicado em: 08/08/2025 às 08:28 | Atualizado em: 08/08/2025 às 08:28

Lilia M. Schwarcz e Heloísa M. Starling, que escreveram “Brasil: uma biografia” (S.Paulo: Companhia das Letras, 2a. Edição, 2018), espantaram-se com as mudanças históricas ocorridas entre a primeira edição da obra (2015) e a segunda, o que as levou a produzir um pós-escrito para dar conta de suas perplexidades sobre os acontecimentos entre as duas edições.

Nas conclusões, tanto da primeira quanto da segunda edição, afirmaram sobranceiras:

“Na posse do primeiro presidente civil, após 21 anos de ditadura militar, em 1985, ninguém poderia nos adiantar como seria o caminho para reimplantar a democracia no Brasil…O que era rascunho tomou forma. No Brasil contemporâneo as instituições políticas estão consolidadas” (p.502).

E, para as autoras citadas, a preocupação era com a injustiça social e a desigualdade, tão arraigadas na vida do povo e nas dicotomias que buscam explicar nossa formação econômica e social e justificar o mando dos poderosos.

De repente, os acontecimentos políticos que levaram ao impeachment da presidenta Dilma voltavam a abalar os fundamentos da CF de 1988, que nos garantiram estabilidade nunca anteriormente vivida, mesmo que o Brasil continuasse a ser pensado como um “país do futuro”.

Em 2017, quando as autoras em comento preparavam a segunda edição e faziam o seu pós-escrito para analisar a situação, os fatos estavam se agravando, embora as instituições ditas “consolidadas” estivessem sendo postas em xeque com o ressurgimento da velha e carcomida direita fascista, rebatizada de extrema-direita, lustrada por grifes do momento neoliberal e animadas pelas teorias conspiratórias migradas do norte das Américas e que prometiam por fim às lutas identitárias, remover costumes que consideravam espúrios, aproximar-se dos fundamentalismos religiosos e, no plano econômico, cantar loas ao liberalismo escancarado, chamado de antipolítica.

Assim, diante das contingências, Lilia e Heloísa rendem-se aos fatos, sem perder as esperanças:

“Já escrevemos que a história do Brasil não traz uma perspectiva de destino – ela é feita de escolhas, projetos e de suas consequências. Aliás, essa não é a primeira vez que o país enfrenta crises de grande envergadura e proporção. De perto, porém, tudo parece agigantado e sem futuro ou saída possível. Mas, se a história ajuda a lembrar o passado, ela há de revelar como em vários momentos o país foi obrigado a procurar a si próprio e por sinal, sempre se encontrou” (p. 521).

Foram longos cinco anos a procurar a si mesmo para derrotar as forças do patrimonialismo cruel, que fazem das nossas elites o que elas são: sabujos dos poderosos na periferia do capitalismo mundial e pilotos da tragédia humana interminável em nossa sociedade desigual.

Como em 2017, estamos a nos confrontar com os mesmos problemas de antes, com agravantes a conspirarem contra as instituições do estado democrático de direito e a conspurcar as conquistas que contemplam a ultrapassagem da fome e da miséria, do desemprego e do desalento, da incivilidade e da ignorância.

Aqueles homens – e algumas mulheres -, encasacados, acorrentados e com esparadrapos colados sobre a boca, ocupando os plenários das casas legislativas federais a pretexto de obstruir as seções ordinárias do parlamento nos dizem muitas coisas: a democracia é um bem a ser cuidado e adubado com a consciência política; que a estupidez humana fecha os olhos para a irracionalidade das nossas escolhas e estas nos levam à tragédia do autoritarismo e do negacionismo absurdos.

O quadro é grotesco! As figuras que o compõem, a olho nu, nos permitem afirmar que não nos representam, o que, também, não é verdade, sob pena de negação dos próprios princípios da ordem constituída que sancionamos. Eles apenas abusam de nossa incapacidade em destituí-los das posições que ocupam em benefício próprio, mesmo alardeando a defesa de direitos fundamentais.

Ridículos e poderosos, tanto quanto as milícias!

Dão a impressão de que não haverá saída para o imbróglio que nos meteram, com o sinal trocado das coisas da economia, do poder e da soberania.

Ainda temos um encontro marcado com futuro. Nossa busca tem que continuar e, como de outras vezes, veremos surgir novo ânimo, novo caminho, sem os messianismos, sem o cinismo dos homens com as bocas cobertas por esparadrapos fakes e com os corações sujos!

*O autor é jornalista profissional.

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Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil