Dia 1° de julho de 2024, Parintins, Amazonas. Registro que o maior festival folclórico do mundo, grandioso em alegria, arte, cultura, público, hospitalidade, beleza e outros adjetivos mais, foi decidido por 1 décimo de ponto.
Caprichoso 1.259,3, Garantido 1.259,2.
Que diacho de poder tem o olho do jurado para resolver uma disputa se escondendo em um mísero 1 décimo?
Essa diferença é virtude ou defeito de quem se põe a julgar algo que é muito caro para o fã do boi-bumbá?
Cada turista, torcedor, brincante, patrocinador e, sobretudo, o realizador do festival é que deve responder a isso.
Será mesmo, parente, que todo o investimento de dezenas de milhões de reais do dinheiro do contribuinte, do esforço de centenas de trabalhadores, do cada vez mais alto gasto para ver a festa que era do povo e hoje se elitiza, devem ser submetido ao juízo de um ser?
Um ilustre desconhecido jurado que vem de outras paragens, que talvez nunca enfrentou muitas horas na rede para ver os touros preto e branco, nunca comeu bodó nem tucumã com queijo manteiga, nunca antes se mexeu numa dancinha dois-pra-lá-dois-pra-cá, não ouviu falar de Arlindo Júnior, Paulinho Farias, David Assayag, Ronaldo Barbosa, Daniela Assayag, Lindolfo Monteverde, Valdir Viana…
Contudo, é justamente a esse sujeito a quem é dado o poder de decidir a paixão de milhares de pessoas em todo o mundo.
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Por 1 décimo!
Essa pessoa, o jurado, é um covarde, um perverso.
Como é que ele, ou ela, consegue ver diferença de 1 décimo entre as galeras de Caprichoso e Garantido?
Ou na dança das cunhãs Marciele e Isabelle?
Ou na beleza das alegorias, que ele nunca viu e nem vai ver em lugar nenhum do planeta?
Talvez na evolução dos tripas que dão vida aos movimentos dos bois?
Onde está essa diferença de 1 décimo nesses itens, senhor jurado???
Ora, vá catar coquinho em outra freguesia!
É perfeitamente compreensível o sentimento de frustração do lado vermelho do festival, muito bem expressado pelo presidente Fred Góes ao reconhecer, bastante emocionado e triste, mas com muita dignidade, a vitória do contrário.
Essa angústia hoje poderia tranquilamente ser do lado azul da ilha. Os jurados bem que tentaram. Basta ver o mapa de notas, com vários descartes que não passaram de 2 décimos.
Quer afirmar que a sinhazinha da fazenda de um foi melhor que a do outro, tira um ponto. E justifica. “Olha, essa aqui baila melhor que a outra, o vestido era mais vistoso…”.
Qual é a dificuldade com isso? Só não poderia ser covarde e se esconder no 1 décimo.
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Não faça isso, senhor jurado!
Não nos tire a alegria, a motivação, a emoção de ver essa disputa histórica de Caprichoso e Garantido.
Não mate o festival!
Não faça com o boi-bumbá o mesmo que o VAR tá fazendo com o futebol. Por 1 centímetro muito mal explicado está se matando o momento mágico: o gol.
Em tempos que se fala de modernizar o boi, com anúncio de novo e ampliado bumbódromo (tenho cá minhas dúvidas se o sofrido torcedor das galeras está contemplado), bem que essa questão de julgamento do espetáculo deveria ser revista.
Para refletir: quem julgaria melhor um ritual indígena? Um acadêmico ou um representante de povo originário?
Um festival que fala tanto nas temáticas da moda, de defesa disso e daquilo, não convida um indígena, um ignorado caboclo, uma dançarina de boi, para estar entre os jurados.
De onde vem essa tolice de que cientista é que entende da festa do boi do Amazonas?
Esse 1 décimo prova que muitos conceitos precisam ser revistos antes que matem essa festa da cultura popular, patrimônio do povo.
Fica registrado na memória do festival de Parintins, portanto, que em 2024 os jurados derrotaram não só o Garantido. O Caprichoso foi junto. E a festa também.
*O autor não passa de um torcedor .
Foto: reprodução/YouTube