O provincianismo que vilipendia
Nas palavras de Lรบcio Carril, "provincianismo estรก na falta de aceitaรงรฃo ao que รฉ de todos". Leia no artigo do sociรณlogo.

Ednilson Maciel, Por Lรบcio Carril*
Publicado em: 03/09/2024 ร s 09:11 | Atualizado em: 03/09/2024 ร s 15:21
Em 1850, o Amazonas conquistava autonomia polรญtica e administrativa ao galgar a condiรงรฃo de provรญncia, saindo dos grilhรตes do Grรฃo-Parรก.
Alguns historiadores consideram que esse status foi um prรชmio pela comarca ter ficado ao lado do impรฉrio durante a Cabanagem – a grande revolta cabocla contra a misรฉria e a opressรฃo.
A nova provรญncia foi criada dentro do sistema escravocrata e sua autonomia ainda tardou para ser efetivada. Seu primeiro presidente foi um deputado paraense, Tenreiro Aranha.
Com a repรบblica, passa a ser estado e a incorporar todos os desvios nada republicanos que o Brasil foi levado a trilhar.
Por aqui tambรฉm houve patrimonialismo, coronelismo, oligarquias e outras mazelas.
Nossas riquezas comeรงaram a ser saqueadas ainda no impรฉrio, mas foi na repรบblica, jรก com os primeiros sinais do capitalismo tardio, que o “ouro negro”, a borracha, o lรกtex extraรญdo das seringueiras nativas, passou a servir de produto para enriquecer pouquรญssimas famรญlias instaladas em Manaus.
Aqui tambรฉm se desenvolveu prรกticas comuns de apropriaรงรฃo do pรบblico pelo privado, com aval do Estado.
O velho patrimonialismo, iniciado no impรฉrio, legou uma cultura de posse e invasรฃo atรฉ mesmo do direito individual.
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Servidรฃo voluntรกria
O imperativo dessa constituiรงรฃo polรญtica criou um caldo cultural nas relaรงรตes sociais e humanas.
Hรก no Amazonas uma “servidรฃo voluntรกria” a tudo que se configura poder exclusivo, como se grupos econรดmicos e de dominaรงรฃo polรญtica fossem uma imposiรงรฃo divina, logo eterna.
Por aqui o pรบblico continua atendendo aos interesses do privado.
Nas primeiras dรฉcadas do sรฉculo 20, vastidรตes de terras pรบblicas foram doadas para empresรกrios, comerciantes e famรญlias ricas.
Concessรตes foram distribuรญdas pelo estado, tal qual no impรฉrio. Agora com o horror de vivermos no regime da “res publica”.
A invasรฃo de privacidade tambรฉm รฉ uma heranรงa patrimonialista. ร comum um vizinho colocar uma caixa de som em volume que incomoda a todos ao seu entorno.
Parques pรบblicos, ruas, รดnibus coletivos, instituiรงรตes pรบblicas padecem com esse provincianismo barรฉ, daรญ serem vistos como: se รฉ de todos, nรฃo รฉ de ninguรฉm, logo nรฃo tenho obrigaรงรฃo de conservar e respeitar como espaรงos coletivos.
O provincianismo estรก na falta de aceitaรงรฃo ao que รฉ de todos e a prรณpria polรญtica se tornou objeto de interesse privado, sendo uma das causas do atraso no qual o estado estรก imerso.
Precisamos superar essas condutas responsรกveis por tanto ultraje e submissรฃo.
*O autor รฉ sociรณlogo.
Foto: reproduรงรฃo