O artigo de Lúcio Carril, “O PT em Manaus e a derrota da dialética” , publicado em 23 de janeiro de 2025 no site Brasil Norte Comunicação (BNC), é uma crítica contundente aos desvios no Processo de Eleições Diretas (PED) do Partido dos Trabalhadores (PT).
Em Manaus, esse processo perdeu seu propósito originário de mobilização e debate político, revelando a urgência de resgatar o caráter dialógico e democrático desse mecanismo essencial.
A análise parte de um olhar marxista-leninista, sustentado teoricamente por autores como Leandro Konder e Lenin, para apontar os retrocessos e possíveis avanços diante do cenário atual.
Dialética e organização: o eixo fundamental do PED
Baseando-se na obra Introdução ao Fascínio da Dialética (KONDER, 1981, p. 67), Carril denuncia a falência do PED em Manaus como espaço de construção coletiva.
A crítica aborda a tese de Konder sobre as dificuldades históricas da recepção do marxismo no Brasil, incluindo a influência do anarquismo e a incipiente formação da classe operária brasileira.
Em Manaus, entretanto, a negação da dialética interna no PED deriva de uma crise organizativa que transformou o debate partidário em um palco de conflitos destrutivos.
O PED foi instituído no 2º Congresso Nacional do PT, em 1999, como mecanismo democrático para eleger dirigentes em todas as instâncias partidárias.
Segundo a resolução: “Eleições diretas para presidente e direções partidárias em todos os níveis, a partir do ano de 2001. […] Em todas as instâncias partidárias deve ser desenvolvido intenso debate político durante os 30 dias que antecedem as datas dessas votações” (PT, 1999, p. 12).
Essas práticas, que deveriam mobilizar as bases e fortalecer o partido, foram desvirtuadas em Manaus, permitindo que disputas internas transbordassem para fora do ambiente partidário e alimentassem narrativas hostis na mídia corporativa.
A crítica marxista-leninista ao esvaziamento político
Sob a perspectiva marxista-leninista, a falência do PED em Manaus evidencia uma contradição essencial: a transformação de um jeito que mecanismo democrático em instrumento de autodestruição.
Como Lenin defende em Que Fazer? (LENIN, 1902, p. 23), um partido revolucionário (ou que se pretendeu revolucionário) deve ser a vanguarda da classe trabalhadora, disciplinado e ideologicamente coeso.
Em Manaus, como nos diz Carril, a ausência de controle interno sobre os conflitos expôs fragilidades organizativas que comprometem a capacidade do PT de atuar como ferramenta de luta.
A dialética, enquanto método marxista, ensina que o conflito é indispensável para superar contradições internas.
No entanto, conforme alerta Carril, quando mal conduzido, ele se torna um fator de desagregação, contradizendo o papel estratégico do partido como motor de transformação social.
Resgatar o PED como espaço de fortalecimento coletivo
A proposta de Carril para resgatar o PED como espaço democrático e dialógico é central. Essa retomada exige a atualização e revalorização do programa definido no 2º Congresso, promovendo seminários, conferências e atividades político-culturais como ferramentas para mobilizar a base e garantir a formação política dos filiados.
Lenin, em “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo” (LENIN, 1920, p. 36), ressalta a importância de processos internos organizados para a sobrevivência e relevância de partidos revolucionários, defendendo a disciplina e o debate como pilares essenciais.
Os retrocessos e a necessária superação
Carril analisa detidamente os retrocessos causados pelo esvaziamento do PED, como a perda de credibilidade do PT, a desmobilização da base e a abertura de espaço para ataques reacionários.
No entanto, ele também aponta para caminhos de superação.
O resgate do PED como espaço dialético e democrático pode restaurar a força organizativa do partido e reafirmar seu papel histórico na luta de classes.
Essa superação exige que dirigentes e militantes compreendam que as disputas internas devem ser canalizadas como motores de transformação e não como ferramentas de destruição.
Como Marx aponta em “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte” (MARX, 1852, p. 49), as crises políticas são resultado das contradições internas de um sistema.
Cabe ao PT superar essas contradições e reafirmar seu compromisso com a classe trabalhadora.
A indispensabilidade da crítica de Carril
A análise de Lúcio Carril é uma contribuição cirúrgica e indispensável para o debate interno do PT e para a reflexão sobre os rumos da esquerda brasileira.
Sua crítica resgata a atualidade da dialética marxista como método de organização e construção política, alertando para os perigos da fragmentação interna e da capitulação às pressões externas.
Como Carril sugere, trazer o PED de volta ao seu propósito original é mais do que uma necessidade organizativa: é uma condição para que o PT recupere sua força transformadora e reafirme seu compromisso com a luta pela emancipação da classe trabalhadora.
Referências
KONDER, Leandro. Introdução ao Fascínio da Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. LENIN, Vladimir I. Que Fazer?. São Paulo: Expressão Popular, 1902. LENIN, Vladimir I. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. São Paulo: Expressão Popular, 1920. MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 1852. PT. Resolução do 2º Congresso Nacional. São Paulo: Partido dos Trabalhadores, 1999.
*O autor é um militante comunista negro que atua em movimentos sociais. Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). É editor do Blog do Sonkha. É compositor e músico. Mora em Vitória da Conquista (BA).
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