O tempo das pequenas mudanças
"Digo pequenas coisas, mas que podem ser mensageiras de grandes doses de conforto e alegria para a alma e o coração no dia a dia", diz o escritor Odenildo Sena.

Por Odenildo Sena*
Publicado em: 21/07/2025 às 12:53 | Atualizado em: 21/07/2025 às 12:54
Há décadas sou adepto do princípio posto em um dos poemas de Cecília Meireles de que gosto muito: o que torna possível a vida é a sua permanente reinvenção. É claro que há reinvenções da vida que acontecem por força das circunstâncias, portanto alheias ao nosso querer.
E exatamente por escaparem à nossa vontade, são reinvenções que podem ser mensageiras de sabores ou de dissabores para a vida. Nesses casos, resta-nos o alimento da experiência acumulada e da sabedoria para melhor administrar seus efeitos.
Mas, ao lado do imponderável, creio que há um universo imenso de espaço para reinventar a vida que navega ao sabor do nosso alcance, das nossas crenças, dos nossos sonhos, do nosso querer.
E aqui não me refiro a grandes reinvenções, como a reinvenção minha e da minha companheira de vida, por exemplo, quando juntos, há oito anos, tomamos a decisão de deixar o Brasil e procurar um cantinho bem sossegado para vivermos com nosso filho aqui em Portugal. Essa foi uma reinvenção não apenas corajosa e das grandes, mas também de riscos. Felizmente deu certo e estamos felizes com este pedaço de reinvenção da vida.
Às reinvenções das pequenas coisas
Refiro-me mesmo às reinvenções das pequenas coisas que estão em nosso redor, muitas vezes ao simples alcance das mãos. Digo pequenas coisas, mas que podem ser mensageiras de grandes doses de conforto e alegria para a alma e o coração no dia a dia. Eu, por exemplo, alimento como uma de minhas manias alterar com relativa frequência o lugar dos livros e objetos que me cercam no pequeno e improvisado ambiente de trabalho aqui em casa. Isso pode até parecer coisa boba para muita gente, mas tem um gratificante efeito renovador sobre meu espírito criativo.
Nesses dias, eu e minha companheira decidimos fazer uma simples mudança de lugar de alguns móveis da sala, como o sofá, que nos abraça todos os dias à noite nas nossas jornadas de expectadores amantes do cinema, e o móvel que serve de suporte para a TV, a fonte desse nosso pedaço de diversão. Foi, como eu disse antes, uma reconfiguração aparentemente boba para quem costuma enxergar a vida com os olhos monótonos da mesmice, como se o mundo e as coisas do mundo fossem implacavelmente imutáveis.
Aos nossos olhos, entretanto, a simples mudança de lugar desses objetos, como nos movimentos estratégicos das peças de um jogo de xadrez, acabou nos trazendo alegres surpresas. Descobrimos que a pequena sala se tornou mais ampla.
Fica a dica
Demo-nos conta de que os espaços de circulação se tornaram mais confortáveis. Isso tudo somado à sensação – e que boa sensação! – de que passamos a respirar com mais liberdade no ambiente. Sem contar o gostoso momento em que, à noite, nos abancamos juntinhos no sofá, como um casal de namorados que busca pela primeira vez refúgio no escurinho do cinema, e inauguramos oficialmente o fruto daquela nossa reinvenção tão simples. Com direito a pipoca, mãos dadas e beijinhos muitos.
Fica a dica.
*O autor é professor, escritor e filólogo.