Por Rosiene Carvalho , da Redação
O relato dos ataques sexistas contra a advogada e candidata à desembargadora Adriane Magalhães , em meio a um processo eleitoral interno na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM), é classificado por professoras da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), especializadas na questão de gênero e por militantes do movimento de mulheres, como “grave violências simbólica e institucional” que atingem rotineiramente as mulheres e é banalizada socialmente.
A jornalista, doutora em Processos Socioculturais na Amazônia e co-fundadora do Fórum de Mulheres Afroamerindias e Caribenhas, Ivânia Vieira, declarou que é inaceitável a agressão sofrida pela advogada por um de seus colegas de profissão e espera firme posicionamento da OAB-AM em nível nacional e estadual sobre o fato.
Ivânia Vieira, cujo mestrado discutiu artifícios da linguagem para dominar, oprimir e silenciar a mulher, afirmou que a OAB tem a chance histórica de criar novo olhar sobre a violência institucional de gênero.
“A OAB tem, nesse episódio, a chance histórica de estabelecer outro parâmetro ao tratar da violência de gênero no interior da instituição ou seguir a tradição: minimizar as agressões patrocinadas por um de seus membros e, assim, manter a lógica da violência institucional contra as mulheres. Até agora prevalece a segunda postura”, declarou a professora.
Ivânia disse que uma nota de solidariedade que inicia com a expressão “a ofensa que ela afirma ter sofrido” num caso em que a violência social foi exposta é uma forma de reforçar a fragilidade da mulher diante da denúncia de agressão e pôr em dúvida a fala dela.
“A advogada agredida é vítima de outras violências quando ocorrem tentativas de desqualificá-la, as manifestações de solidariedade a ela reproduzem nas entrelinhas a suspeição sobre a veracidade da ocorrência de agressão e ou são acionados mecanismos de quase silenciamento do fato”, analisa.
Performance de atos de violência
A jornalista afirma que nas mensagens e depoimento expostos por Adriane Magalhães sobre o episódio “há material suficiente para conhecer os termos utilizados na performance dos atos de violência”.
“O que está sendo denunciado, e reivindica vontade política para apurar, é a agressão da qual foi vítima uma mulher (…) Os outros recursos postos em prática – para intimidar, silenciar e desqualificar a advogada – são os mesmos instrumentos manejados tradicionalmente pelo patriarcado entranhado nas instituições e concretizados nos discursos e nas práticas”, disse.
Ivânia Vieira disse que cabe a OAB-AM medidas exemplares e que marquem parâmetros claros para que outras profissionais enfrentem ações semelhantes com menos temor a respeito da denúncia.
“Esperamos que a OAB faça desse caso, que põe mais uma nódoa na história da Ordem, um laboratório de enfrentamento e superação na relação de gênero no interior da organização e desenvolva ações firmes para romper com esse tipo de crime e por fim à impunidade machista numa das áreas cruciais para a afirmação da justa Justiça, a que congrega parte dos operadores do direito”, declarou.
“É como se o órgão sexual a fizesse menor”
A professora da Universidade Federal de Rondônia (Unir), doutora em em Sociedade e Cultura na Amazônia e mestre em “Gêneros, Identidade e Cidadania” Márcia Oliveira afirmou que o episódio mostra duas questões que se intercruzam: a questão de gênero e a disputa política.
“Há uma concepção patriarcal de que a mulher não se mete em política. E no espaço do direito, muito masculinizado, é como se as mulheres não tivessem condições de entrar nesta área”, disse.
A professora explicou que a misoginia misturada ao comportamento patriarcal leva ao “apelativo” expostos nas palavras usadas para agredir a advogada quando é afirmado contra ela que a única inteligência que tem está entre as pernas.
“Não é só a questão de ser mulher. É como se o órgão sexual a fizesse menor. Como se homem fosse sempre o sujeito da relação sexual e a mulher o simples objeto. Uma linguagem apelativa, que desqualifica e humilha é carregada de misoginia”, disse.
“No lugar delas”
Márcia Oliveira diz que muita mulheres vítimas de violência institucional se calam por medo de se sentirem inferiorizadas em relação aos homens e acabam reproduzindo a lógica patriarcal que impõe que as mulheres fiquem “no lugar delas”.
“Se recolhem num lugar insignificante na situação. Não partem para uma situação ofensiva. Não tomam essa posição mexeu comigo mexeu com todas. Somos reprodutoras do sistema patriarcado que não nos permite reagir. Entramos na defesa de outras coisas e não entramos na nossa defesa”, declarou.
Para Márcia Oliveira, a linguagem e a demora para se posicionar sobre o episódio por parte da OAB Mulher expôs a fragilidade deste movimento interno na defesa da questão de gênero. “A OAB mulher carrega muito dessa defesa à causa ainda muito amarrada no patriarcal”, avaliou.
Violência institucional é tolerada mais facilmente
A advogada e ativista da ONG Maria Bonita Márcia Álamo disse que o episódio vivenciado pela advogada Adriane Magalhães não é isolado nem tampouco uma situação que não seja frequente.
“É a reprodução de uma sociedade machista em que a gente vive a violência simbólica contra as mulheres. A violência física é mais intolerável para a sociedade que expressa comoção e solidariedade quando vê uma mulher muito machucada fisicamente. Mas quando o ataque não é físico. É moral e social. Há mais dificuldade de reconhecer que há aí também uma violência”, avaliou.
Para a ativista o “caos é muito grave” e exige uma resposta imediata. Márcia Álamo disse compreender que a OAB-AM tem um desafio porque como irá julgar a denúncia, para não invalidá-la e não correr o risco de que uma eventual punição seja anulada por questionar a suspeição do julgador, deve tomar os cuidados necessários ao se manifestar sobre o caso.
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