Por Iram Alfaia , de Brasília
A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) não tem dúvida sobre as consequências danosas que representa ao povo ianomâmi a fala do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em defesa da exploração mineral nas terras indígenas.
Pelos cálculos daquela etnia, mais de 20 mil garimpeiros estão no seu território de 9,6 milhões de hectares entre os estados do Amazonas e Roraima, ou seja, quase o mesmo número da população nativa.
“Terra riquíssima (reserva indígena Ianomâmi). Se junta com a Raposa Serra do Sol, é um absurdo o que temos de minerais ali. Estou procurando o primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso, a minha aproximação com os Estados Unidos. Por isso, eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada dos EUA”, disse Bolsonaro, referindo-se ao seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
“Se o chefe de um estado fala de uma forma desse jeito só encoraja a prática de invasões, né? Nesse sentido, ele coloca em risco a vida dos povos indígenas”, diz a coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas em entrevista ao BNC Amazonas.
História
A deputada, que é a segunda representante indígena da história do Congresso brasileiro, o primeiro foi Mário Juruna (1983 a 1986), diz que os focos crescentes de invasões já estão sendo investigados por agentes da Polícia Federal (PF).
No entanto, o que mais a preocupa é a situação de saúde nas aldeias.
“A contaminação dos rios pelo mercúrio tem causado câncer e deformação de fetos. Essa é uma situação grave que merece cuidado. O que está acontecendo com os ianomâmis pode se alastrar para outras terras indígenas na Amazônia”, alertou.
Pesquisa divulgada na semana passada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) constatou contaminação por mercúrio naquele povo.
Os estudos entre mulheres e crianças nas aldeias no Amazonas e em Roraima revelaram que 56% apresentaram índice do metal superior ao limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os garimpos ilegais na região usam mercúrio no processo de extração do ouro.
Joênia Wapichana diz que abrir as terras indígenas à exploração mineral pode ter consequências dramáticas para toda a região. A Amazônia concentra a maior extensão das terras indígenas (98%), o maior número de manifestações de índios isolados, 60 % da população indígena brasileira e o maior número de pedidos para pesquisa e lavra mineral.
Na opinião dela a solução apresentada por Bolsonaro é legalização do crime. Lembrou que o Estado tem baixo poder de fiscalização, a exemplo do que aconteceu em Brumadinho, Minas Gerais.
“No caso específico da cadeia de produção do ouro, segundo reportagem recente, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal coletaram durante três anos, uma série de provas do quanto é frágil à regulamentação existente e a execução do papel fiscalizador do Estado”, diz um trecho de uma nota lida pela deputada no encontro com indígenas na sexta-feira, dia 9, na Câmara dos Deputados.
Mineração em terras indígenas
A parlamentar, que tem formação em direito, diz que os povos indígenas não se opõem em discutir a mineração nas suas terras, mas é preciso que isso seja feito a luz da Constituição.
No artigo 231 da Carta, parágrafo 3º, consta que “a pesquisa e lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.”
“Os povos indígenas estão querendo essa discussão, mas até o momento o que a gente está vendo é nenhum benefício. Está havendo apenas impacto e prejuízo. Essas atividades de mineração em terras indígenas estão sendo consideradas as mais impactantes e mais danosas”, argumentou.
Linhão Manaus-Boa Vista
Joênia Wapichana diz também que os índios waimiri-atroari não são contra a construção do Linhão Manaus-Boa Vista que vai levar energia de Tucuruí para Roraima. Com traçado previsto de 721 quilômetros, 123 deles dentro da terra indígena, a linha de transmissão depende de licenciamento ambiental.
“Não foi culpa do povo indígena estar demorando. Houve erros nos procedimentos de licenciamento ambiental. E os erros foram constatados pelo Ministério Público federal. Temos nos manifestado pelo direito a consulta prévia, livre e informada, que é um direito consagrado pelo Brasil”, disse a deputada.
A parlamentar ressaltou que Roraima, único estado que não é ligado ao sistema nacional de energia, merece ter o problema resolvido, mas o povo indígena precisa ser respeitado. “Nós não vamos justificar uma dificuldade de urgência em cima da violação de direitos de outros”, finalizou.
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado – 6 de junho de 2019