Na dor do cĂ¡rcere, ex-governador confessa crimes e delata amigos

Publicado em: 26/02/2019 Ă s 19:49 | Atualizado em: 26/02/2019 Ă s 19:49

Condenado a 200 anos de prisĂ£o por corrupĂ§Ă£o, o ex-governador do Rio de Janeiro SĂ©rgio Cabral (foto) admitiu, nesta terça-feira (26), pela primeira vez oficialmente, o recebimento de propina ao longo de sua carreira polĂ­tica. Ele prestou depoimento perante o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal.

Perguntado por Bretas por que havia mudado de ideia, Cabral respondeu que a decisĂ£o foi fruto de reflexões feitas durante todo o tempo em que estĂ¡ preso. As informações sĂ£o da AgĂªncia Brasil.

“Dois anos e trĂªs meses preso, conversando comigo e [com] minha consciĂªncia, tudo o que minha famĂ­lia tem passado. Em nome da minha famĂ­lia e da histĂ³ria, resolvi falar a verdade.”

Em seguida, Bretas perguntou sobre a OperaĂ§Ă£o Fatura Exposta, que investigou o pagamento de propinas na Ă¡rea da saĂºde, incluindo o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), na Ă©poca dirigido pelo mĂ©dico Sergio CĂ´rtes, que foi secretĂ¡rio estadual de SaĂºde de 2007 a 2013, no governo de Cabral.

“SĂ©rgio CĂ´rtes [eu] conheci em 2004 no Senado. Em 2006, CĂ´rtes era coordenador do Into. Antes de assumir, eu fiz a primeira aĂ§Ă£o grave para um chefe de Estado. Apresentei o [empresĂ¡rio] Arthur Soares. Ele havia me ajudado em campanhas em caixa 2. Eu disse ao CĂ´rtes que Ă­amos combinar uma propina: ‘3% para mim e 2% para vocĂª’. O CĂ´rtes se sentiu muito Ă  vontade para me introduzir [apresentar] o Miguel Iskin [empresĂ¡rio da Ă¡rea de equipamentos mĂ©dicos, tambĂ©m condenado por corrupĂ§Ă£o].”

 

Grupo polĂ­tico

O juiz Marcelo Bretas pediu a Cabral que detalhasse como funcionava o grupo polĂ­tico em sua administraĂ§Ă£o, e o ex-governador respondeu: “Tinha o Regis Fichtner, que cuidava da parte tĂ©cnica. Ele Ă© um homem rico hoje. O Carlos Miranda tinha uma promessa de eu dar US$ 7 milhões. O Fichtner era responsĂ¡vel pelo arcabouço jurĂ­dico.  Recebia propinas, assim como o CĂ´rtes.”

Ele citou ainda o entĂ£o vice-governador e secretĂ¡rio de Obras, Luiz Fernando PezĂ£o, entre os que recebiam propinas.

“Para o PezĂ£o, eram cerca de R$ 150 mil por mĂªs. O Eduardo Paes, como meu secretĂ¡rio de Esportes, jamais recebeu benefĂ­cios. Mas recebeu doações do Iskin e do Arthur Soares para sua campanha [Ă  prefeitura do Rio de Janeiro].”

Segundo Cabral, a campanha de PezĂ£o ao governo do estado custou R$ 400 milhões. Ao ser lembrado por Bretas de que, anteriormente, tinha negado esses fatos, Cabral declarou que havia faltado com a verdade: “Eu peço desculpas, porque eu menti.”

De acordo com Cabral, quase todos empresĂ¡rios que fazem doações eleitorais esperam receber algo em troca no futuro.

“RarĂ­ssimos os empresĂ¡rios que deram dinheiro em campanhas eleitoral que nĂ£o esperavam resultados. Todos esperam um retorno. É uma espĂ©cie de toma lĂ¡ dĂ¡ cĂ¡. VocĂª me ajudou, e eu vou ajudĂ¡-lo”, explicou.

 

Caixa 2

Questionado por Bretas por que ele sempre havia dito que o dinheiro de propina era caixa 2, Cabral respondeu que era difĂ­cil admitir, dizer que havia roubado.

“DĂ³i muito. Hoje nĂ£o me dĂ³i mais. A alguĂ©m que tem uma carreira polĂ­tica reconhecida pela populaĂ§Ă£o, dĂ³i muito [chegar aqui e dizer que roubou].”

Sobre a participaĂ§Ă£o de sua esposa, a advogada Adriana Ancelmo, no esquema de pagamento de propina, o ex-governador negou: “Adriana tinha o escritĂ³rio dela, e eu contaminei o escritĂ³rio dela. Enganei minha esposa. E a prejudiquei.”

A mudança de postura de Cabral reflete a troca dos responsĂ¡veis por sua defesa, que era feita pelo advogado Rodrigo Roca, substituĂ­do recentemente por Marcio Delambert, com objetivo de diminuir o total das penas impostas a ele, que jĂ¡ chega a 200 anos de prisĂ£o.

 

Defesa de CĂ´rtes

O advogado Gustavo Teixeira, que defende o ex-secretĂ¡rio SĂ©rgio CĂ´rtes, e seu cliente assistiram ao depoimento de Cabral.

Ele disse que o depoimento do ex-governador nada acrescentou ao que CĂ´rtes jĂ¡ havia admitido em juĂ­zo.

Segundo o advogado, CĂ´rtes jĂ¡ havia confessado o recebimento de propina, tendo inclusive feito a devoluĂ§Ă£o de R$ 15 milhões Ă  Justiça.

A reportagem ainda nĂ£o conseguiu contato com a defesa dos demais citados por Cabral.

 

Foto: ReproduĂ§Ă£o/Justiça Federal/MPF