Comandantes das Forças Armadas entregam cargos ao novo ministro

Eles querem acompanhar a saĂ­da do general Fernando Azevedo da pasta, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (29) apĂ³s seguidas negativas de apoio polĂ­tico ao governo federal.

Metade do paĂ­s rejeita excesso de militares no governo Bolsonaro

Publicado em: 30/03/2021 Ă s 08:47 | Atualizado em: 30/03/2021 Ă s 09:13

Os comandantes do ExĂ©rcito, Marinha e Força AĂ©rea decidiram colocar seus cargos Ă  disposiĂ§Ă£o do novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, em uma reuniĂ£o prevista para o começo da manhĂ£ desta terça (30).

Eles querem acompanhar a saĂ­da do general Fernando Azevedo da pasta, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (29) apĂ³s seguidas negativas de apoio polĂ­tico ao governo federal.

Segundo um interlocutor de Azevedo, o limite da relaĂ§Ă£o dos dois foi atingido a partir da semana passada, quando Bolsonaro voltou a insinuar que queria o apoio do ExĂ©rcito para aplicar medidas de exceĂ§Ă£o como o estado de defesa em unidades da FederaĂ§Ă£o que aplicam lockdowns contra a pandemia.

A relaĂ§Ă£o entre ambos jĂ¡ vinha desgastada pelo que um aliado do presidente qualificou de falta de apoio polĂ­tico das Forças Armadas, decididas a se afastar dos fardados que ocupam o governo federal.

Para esse aliado, hĂ¡ pouco reconhecimento ao fato de que Bolsonaro trabalhou para manter benesses Ă  categoria com a reforma previdenciĂ¡ria e administrativa das Forças, aprovada em 2019, alĂ©m de garantir investimentos na maioria dos programas bĂ©licos prioritĂ¡rios.

O problema foi explicitado por Azevedo em sua carta de demissĂ£o, na qual omite que foi demitido, mas ressalva que buscou preservar as Forças Armadas como instrumentos de estado — em oposiĂ§Ă£o Ă  ideia bolsonarista de uma milĂ­cia de apoio ao governo.

O combinado entre os comandantes, que se encontraram com Azevedo e depois fizeram uma reuniĂ£o, era entregar o cargo conjuntamente. Braga Netto pediu para que eles esperassem e se encontrassem nesta terça-feira.

Se Edson Leal Pujol (ExĂ©rcito), Ilques Barbosa (Marinha) e AntĂ´nio Carlos Bermudez (AeronĂ¡utica) saĂ­rem juntos, isso terĂ¡ sido inĂ©dito. Os dois Ăºltimos podem ficar, caso Braga Netto os convença a evitar mais turbulĂªncia.

JĂ¡ Pujol Ă© o Ăºnico cuja permanĂªncia nĂ£o Ă© especulada por ninguĂ©m, dado o grau de animosidade entre ele e Bolsonaro. O presidente jĂ¡ havia tentado tirĂ¡-lo do cargo no ano passado, como a Folha revelou.

É uma disputa que vem do ano passado, simbolizada no dia em que Pujol ofereceu o cotovelo a um aperto de mĂ£o do presidente. O comandante chamou o esforço contra a Covid-19 de maior missĂ£o de sua geraĂ§Ă£o, enquanto o chefe promovia aglomerações e falava em “gripezinha”.

Tal diferença se acentuou. Como chefe da Força mais importante, coube a Pujol riscar a linha no chĂ£o ao dizer em uma palestra que os militares tinham de ficar fora da polĂ­tica. A crise seguiu com a insistĂªncia do general Eduardo Pazuello em se manter na ativa enquanto conduzia a sua criticada gestĂ£o no MinistĂ©rio da SaĂºde.

Com as novas insinuações de Bolsonaro sobre os usos do que chamou de “meu ExĂ©rcito”, as insatisfações foram transparecendo, como a Folha mostrou na semana passada. Agora, transbordaram.

Em reuniĂ£o posterior com os integrantes do Alto-Comando do ExĂ©rcito, por videoconferĂªncia, Pujol discutiu os cenĂ¡rios.

Segundo o pouco que transpareceu atĂ© aqui do encontro, as Forças querem dar um recado claro a Braga Netto de que nĂ£o aceitariam ser usadas por Bolsonaro em qualquer iniciativa golpista.

Uma forma de isso acontecer sem sugerir insubordinaĂ§Ă£o Ă© a costura dos nomes dos novos comandantes. Na FAB e na Marinha a situaĂ§Ă£o Ă© relativamente tranquila, por serem forças de menor peso relativo.

No ExĂ©rcito, o ideal debatido seria a apresentaĂ§Ă£o de nomes com apoio consensual do Alto-Comando e que nĂ£o fossem muito prĂ³ximo do bolsonarismo. HĂ¡ uma questĂ£o a avaliar, prezada pelos militares, que Ă© a antiguidade.

Tradicionalmente, o ministro da Defesa apresenta trĂªs nomes para o presidente escolher para o comando, todos os mais antigos da Força, e na maioria das vezes o que tem mais tempo de caserna leva.

A partir desta quarta (31), o mais longevo general de quatro estrelas da ativa serĂ¡ JosĂ© Luiz Freitas (Operações Terrestres), que irĂ¡ Ă  reserva em agosto. O mais antigo, Decio Schons (Departamento de CiĂªncia e Tecnologia), vai Ă  reserva neste dia.

Um nome denso Ă© o do nĂºmero 2 da Força, Marco AntĂ´nio Amaro dos Santos, que serĂ¡ o segundo mais antigo. O terceiro serĂ¡ Paulo SĂ©rgio (Pessoal), que irritou Bolsonaro ao conceder entrevista na qual mostrou ações do ExĂ©rcito contra a Covid-19.

Na sequĂªncia vĂªm Laerte Souza Santos (Comando LogĂ­stico) e o comandante do Nordeste, Marco AntĂ´nio Freire Gomes, nome bastante ventilado, apesar de nem fazer parte dos trĂªs mais antigos. Todos sĂ£o vistos como muito prĂ³ximos e alinhados a Pujol.

Seja qual for o desfecho da reuniĂ£o desta terça, o certo Ă© que Bolsonaro contratou uma ameaça de crise militar com sua mudança ministerial desta segunda. E na quarta (31) se completam 57 anos do golpe de 1964, uma data central e sensĂ­vel do calendĂ¡rio militar brasileiro.

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