Da Redação
Os possíveis recuos nos índices de leitura do País nos próximos anos preocupam profissionais do setor, principalmente porque o governo federal não regulamentou o Novo Plano Nacional do Livro e Leitura, que deveria ter ocorrido até junho, conforme determina a Lei Castilho , sancionada pelo presidente Michel Temer (MDB), no ano passado.
A ONG Instituto Pró-Livro, com sede em São Paulo, atesta que a média anual de livros lidos por habitante cresceu, entre 2011 e 2015, de 4,0 para 4,9. O índice é atualizado a cada cinco anos.
Dados da Unesco indicam entre os países que mais leem, cada leitor consume acima de nove títulos por ano.
Os índices no Brasil vinham melhorando, principalmente por conta dos programas de incentivo à leitura e à escrita dos governos anteriores.
A política pública de incentivo à leitura e criação de leitores é fundamental para fomentar o consumo de livros, mas, se não forem superados problemas inerentes a um país continental, não vai sanar as desigualdades de acesso aos livros.
“Infelizmente, tudo tem que estar na lei, senão ninguém cumpre, mesmo assim é preciso fiscalizar”, opina o deputado José Ricardo (PT-AM), membro-suplente da Comissão de Educação e membro-efetivo da Comissão da Amazônia da Câmara dos Deputados.
Ele entende que o poder público deve oferecer equipamentos e meios de incentivo à leitura, como bibliotecas públicas, porque o preço do livro no País é alto e esse fator inviabiliza a população pobre do aceso ao conhecimento.
Os altos preços refletem, na avaliação do parlamentar, falta de estímulo ao potencial de novos consumidores, o que inibe a produção em larga escala e maior concorrência no setor.
No contexto amazônico, os custos com logística tornam a concorrência mais desigual com os preços de outras regiões.
“Eu mesmo, quando compro livros pela internet, vejo que o tempo de entrega é maior e o frete altíssimo”, disse.
Por tudo isso, José Ricardo defende que o poder público assuma o incentivo à leitura como política de estado. Em nível federal, ele avisa que a luta não será fácil, “porque o atual presidente quer exatamente cortar as verbas da educação e da saúde”.
Ainda sobre logística, o deputado lembrou que só a metade dos 62 municípios amazonenses tem aeroportos e, desses, a metade sequer deveria funcionar, pois não se adequa aos parâmetros da segurança aeronáutica.
“O aeroporto de Parintins vive fechado porque os urubus ameaçam as aeronaves”, exemplificou.
Já os portos, segundo ele, os que existem estão sem manutenção. “O porto de Coari [a cidade possui a segunda maior arrecadação de impostos do Amazonas] está sem funcionar há meses”.
São fatos absurdos que, na avaliação de José Ricardo, encarecem tudo, inclusive os livros, cujo incentivo ao consumo deveria ser prioridade para quaisquer governos.
Livreiros (donos de distribuidoras) concordam que a logística é um dos fatores que empurra os preços para cima, mas não é o único. A crise econômica, que levou pequenas e médias empresas à falência, e ao controle do setor por conglomerados globais, deixou o mercado mais conservador.
Isso levou as grandes editoras a uma política de preços com descontos bem reduzidos em relação ao preço mínimo nacional sugerido. A margem de revenda das distribuidoras caiu drasticamente.
“Há empresas que, talvez por ainda não terem atualizado seus catálogos, estão com preços razoáveis, que facilitam as vendas. Outras, aumentaram seus preços em até 50%”, explica Pedro Xavier de Azevedo, dono da Conexão Distribuidora.
Em razão da nova postura do mercado editorial, distribuidores que atendem à região asseguram que, para viabilizar seus negócios, precisam acrescentar ao menos 20% sobre o preço nacional sugerido.
Sem essa correção, a concorrência se torna injusta, porque, segundo o setor, os custos amazônicos precisam ser compensados.
Em viagem mais rápida, as mercadorias do Sul chegam a Manaus por avião, com custo de frete elevado; de outro jeito, só com a utilização do modal rodo-fluvial, com uma viagem demorada e cheia de riscos.
Já uma viagem fluvial entre Manaus e Tabatinga, na fronteira com Peru e Colômbia, dura ao menos duas semanas.
Bibliotecas
José Ricardo é autor da lei que institui o Programa de Universalização das Bibliotecas nas escolas e demais estabelecimentos do Sistema de Educação do Amazonas. A lei também carece de regulamentação pelo governo estadual.
O programa prevê que o estado coloque à disposição ao menos um livro para cada aluno nas bibliotecas que atendem às escolas. “Há municípios que não têm bibliotecas. Isso é falta de compromisso dos gestores com a educação”, disse.
A lei diz ainda que as bibliotecas devem contar com os serviços dos profissionais bibliotecários, pois se trata de uma atividade que exige profissionais especializados.
Também é diretriz da lei: “Formulação continuada para profissionais da escola e da biblioteca a fim de que estes sejam organizadores, incentivadores e motivadores da plena utilização dos espaços e coleções das bibliotecas escolares”.
O deputado disse que está articulando, no executivo estadual, a regulamentação da lei e estuda a adoção em nível federal da mesma medida. “O tema da educação sempre esteve na pauta do PT e dos demais partidos de esquerda”, salientou.
O professor da Universidade do Estado do Amazonas Camilo Ramos concorda que o País precisa de política pública para baratear o preço do livro e incentivar a leitura.
“Uma cidade como Parintins, com mais de 70 mil habitantes na zona urbana, deveria ao menos possuir uma excelente biblioteca e mais quatro setoriais”, sugere o professor. A cidade só possui uma biblioteca e, mesmo assim, sem acervo correspondente às necessidades dos estudantes e da população.
Camilo Ramos criou uma biblioteca ambulante (a fuscateca), em Parintins, para estimular a formação de leitores nos bairros pobres. “As mídias, em larga medida, só ajudam a desinformar a população; a população, por sua vez, produz essa desinformação como verdade”, comentou.
O professor entende que o livro físico ainda é o dispositivo mais eficiente na disseminação de conhecimento.
“É difícil encontrar alguém que só tem acesso à internet que conheça autores clássicos como Machado de Assis ou Castro Alves. Mais ainda: imensa parcela da população não tem acesso à internet”, acentua ele.
Com a fuscateca na estrada, Camilo Ramos disse que foi possível confirmar que a premissa de que o povo não gosta de ler é falsa: “O povo só precisa ter acesso aos livros. Essa é que é a verdade”.
A coordenadora da biblioteca municipal de Parintins Tonzinho Saunier, Fernanda Butel, concorda que é necessário estimular a leitura de conteúdos edificantes, precisamente entre os jovens.
“Parte deles usa a biblioteca para cumprir trabalhos escolares e só. Claro, aqui procuramos estimulá-los a ir mais além, mas os resultados positivos são poucos”, acentuou a coordenadora.
No momento, ela disse que a biblioteca está em processo de ampliação do seu acervo de livros físicos e, também, de melhoria no atendimento ao público e no serviço virtual. “A luta pelo incentivo à leitura deve ser do governo e da sociedade, com a inclusão da escola e da família”, aconselha ela.
Esse é o tipo de conselho oportuno porque os ventos que sopram da política e da economia ainda são menos favoráveis ao crescimento do nível de leitura em estados sem infraestrutura logística, como é o caso do Amazonas.
Foto: BNC AMAZONAS