Esquema de propina e compra de MP envolve MDB e governo petista 

Na base da propina a deputados e senadores, grupo de saĂºde aprovou emendas no Congresso e comprou medidas provisĂ³rias (MP) que reduziram R$ 36,5 bilhões de sua dĂ­vida tributĂ¡ria

Publicado em: 11/12/2020 Ă s 09:08 | Atualizado em: 11/12/2020 Ă s 14:57

A PolĂ­cia Federal (PF) investiga um esquema de compra de medidas provisĂ³rias no Congresso Nacional capitaneado pela Amil entre 2011 e 2013 que teria provocado uma reduĂ§Ă£o da dĂ­vida tributĂ¡ria dos planos de saĂºde na ordem de R$ 36,5 bilhões, segundo cĂ¡lculos do antigo MinistĂ©rio da Fazenda.

Por meio do suposto pagamento de propina a parlamentares, a Amil teria obtido a aprovaĂ§Ă£o de emendas que diminuĂ­ram de forma bilionĂ¡ria os valores de tributos pagos Ă  UniĂ£o pelo setor de planos de saĂºde – Ă  Ă©poca, as empresas questionavam junto ao governo federal a incidĂªncia do Confins sobre o atendimento aos seus segurados.

O inquĂ©rito sigiloso, ao qual O Globo teve acesso, foi aberto em meados do ano passado e estĂ¡ sob relatoria da ministra Rosa Weber.

As evidĂªncias surgiram a partir da apreensĂ£o dos e-mails do advogado Vladimir SpĂ­ndola, alvo de uma das fases da OperaĂ§Ă£o Zelotes.

Entre 2011 e 2013, SpĂ­ndola manteve diĂ¡logos com diretores da empresa a respeito da alteraĂ§Ă£o de medidas provisĂ³rias em tramitaĂ§Ă£o no Congresso.

Nessas conversas, o advogado e os representantes da Amil fazem referĂªncias diretas a parlamentares que participam das tratativas, dentre eles o entĂ£o deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ).

Ao final, apĂ³s conseguir aprovaĂ§Ă£o da medida pleiteada pela Amil, o lobista recebeu pagamento de R$ 6,3 milhões do fundador e entĂ£o presidente da empresa, Edson de Godoy Bueno — morto em 2017.

 

US$ 100 milhões em paraíso fiscal

 

No perĂ­odo de discussĂ£o das medidas provisĂ³rias, a Amil fez um contrato de cĂ¢mbio para remeter US$ 100 milhões (Ă  Ă©poca equivalentes a R$ 230 milhões) a uma conta nas Ilhas Virgens BritĂ¢nicas e enviou ao lobista Vladimir SpĂ­ndola o comprovante da remessa.

TambĂ©m fez pagamentos de R$ 20 milhões Ă  empresa do ex-ministro petista Antonio Palocci e R$ 700 mil a um escritĂ³rio de fachada, do advogado FlĂ¡vio Calazans.

O inquérito traz comprovantes dos repasses.

Calazans admitiu em delaĂ§Ă£o premiada, homologada pelo entĂ£o juiz Sergio Moro, nĂ£o ter prestado serviços Ă  Amil e ter lavado dinheiro para lobistas do PMDB do Senado.

A PF suspeita que, alĂ©m do pagamento a SpĂ­ndola, eles seriam usados para pagar propina aos parlamentares envolvidos na negociaĂ§Ă£o. Por isso, os investigadores buscam o caminho do dinheiro atĂ© o destinatĂ¡rio final.

A mudança obtida pela Amil em uma medida provisĂ³ria significou, nos cĂ¡lculos do antigo MinistĂ©rio da Fazenda, “uma reduĂ§Ă£o das receitas da Seguridade Social (que engloba PrevidĂªncia Social, SaĂºde e AssistĂªncia Social) e do fundo PIS (que abona os trabalhadores de baixa renda) na ordem de R$ 36,5 bilhões (atĂ© 2017), caindo 89%, de R$ 41,1 bilhões para R$ 4,6 bilhões”.

Esse cĂ¡lculo, anexado ao inquĂ©rito, abrange o benefĂ­cio obtido por todo o setor dos planos de saĂºde. Apenas a Amil, de acordo com a investigaĂ§Ă£o, teria tido reduĂ§Ă£o de R$ 4,9 bilhões no pagamento de tributos.

 

Pedido a JucĂ¡

 

TambĂ©m a pedido da Amil, SpĂ­ndola solicitou ao gabinete do entĂ£o senador Romero JucĂ¡ (MDB-RR) a apresentaĂ§Ă£o de uma emenda a uma medida provisĂ³ria (644/2014) que era de interesse direto de Edson e Dulce Bueno.

 

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Essa emenda dizia que mudanças na participaĂ§Ă£o societĂ¡ria de uma empresa nĂ£o significaria ganho de capital, o que permitiria que as pessoas fĂ­sicas dos fundadores da Amil nĂ£o pagassem tributos na futura aquisiĂ§Ă£o da empresa pelo grupo estrangeiro United Health.

SpĂ­ndola enviou a uma assessora de JucĂ¡ um e-mail com o texto da emenda. “Segue agora a versĂ£o final da emenda”, escreveu, em maio de 2014.

No mesmo dia ela responde: “JĂ¡ protocolei a emenda nº 33”.

Essa medida provisĂ³ria perdeu a validade e, em uma nova MP, SpĂ­ndola obtĂ©m o mesmo benefĂ­cio com o gabinete de JucĂ¡. Desta vez, entretanto, a PresidĂªncia vetou a sanĂ§Ă£o do trecho da medida provisĂ³ria.

A PF investiga se os R$ 700 mil pagos ao escritĂ³rio de Calazans por empresas ligadas Ă  Amil seriam propina a Romero JucĂ¡ pela atuaĂ§Ă£o nessas medidas provisĂ³rias.

 

Outros lados

 

Procurada, a Amil negou o envolvimento com irregularidades, mas disse que nĂ£o poderia comentar o teor da investigaĂ§Ă£o.

“A Amil esclarece que os procedimentos em andamento no Supremo Tribunal Federal sĂ£o confidenciais e, portanto, nĂ£o pode comentar. A empresa nĂ£o tem conhecimento de nenhuma evidĂªncia sugerindo que qualquer uma de suas atividades seja inconsistente com as leis ou regulamentos brasileiros”, afirmou em nota.

A assessoria da Abramge afirmou que nĂ£o iria comentar, por nĂ£o ter conhecimento da investigaĂ§Ă£o. A reportagem enviou questionamentos a Vladimir SpĂ­ndola, mas ele nĂ£o respondeu ao contato.

Em nota, Vladimir SpĂ­ndola afirmou estar Ă  disposiĂ§Ă£o das autoridades para esclarecer os serviços prestados Ă  Amil e negou a existĂªncia de irregularidades nesses serviços. “Sempre me coloquei Ă  disposiĂ§Ă£o para esclarecer quaisquer suspeitas que possam eventualmente existir. Mas jamais fui convidado por qualquer autoridade a depor sobre os diversos serviços jurĂ­dicos prestados Ă  AMIL pelo escritĂ³rio de advocacia do qual eu era sĂ³cio fundador. Apesar de se tratar de um inquĂ©rito que corre sob sigilo, ao qual sequer tive acesso, nego de forma veemente qualquer tentativa de criminalizaĂ§Ă£o da minha atividade como advogado”, afirmou.

A defesa de Eduardo Cunha afirmou que “refuta veementemente os fatos em questĂ£o, absolutamente estranhos e desconhecidos de Eduardo Cunha, que sequer conhece a pessoa de Vladimir SpĂ­ndola.

A atuaĂ§Ă£o do ex-deputado foi, exclusivamente, o cumprimento de sua funĂ§Ă£o parlamentar, Ă  Ă©poca como lĂ­der do PMDB, participando nessa qualidade das matĂ©rias submetidas Ă  CĂ¢mara dos Deputados”. A defesa de JoĂ£o Carlos Bacelar nĂ£o respondeu aos contatos.

Os advogados de JucĂ¡, AntĂ´nio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Marcelo Turbay, afirmaram que “esse caso se trata apenas de mais uma tentativa indevida de criminalizar a atividade polĂ­tica. O STF tem se postado alerta e rechaçado acusações dessa natureza, que representam um desserviço ao paĂ­s ao atacarem o exercĂ­cio da funĂ§Ă£o parlamentar e o bom caminhar da democracia”.

 

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Foto: Rodrigues Pozzebom/AgĂªncia Brasil