O escritor Milton Hatoum disse, em Manaus (AM), que a solução ao conflito contínuo na Faixa de Gaza não é a criação de dois estados, um palestino e outro israelense. Para ele, é o estabelecimento de um estado único. E laico.
Hatoum participou da abertura do Festival de Literatura de Manaus (Flim) ontem (26/11), no auditório do Parque Municipal do Idoso. Amanhã (28/11), o escritor conversará com a plateia do filme Retrato de um certo Oriente, do diretor Marcelo Gomes, no Teatro da Instalação. O filme é inspirado no seu romance de estreia Relato de um certo Oriente (Companhia das Letras, 1989).
Milton Hatoum no Festival de Literatura de Manaus
A trama do romance Relato de um certo Oriente se passa em Manaus, na década de 1960. Ele narra a história de uma família libanesa que enfrenta conflitos familiares, culturais e políticos da época.
O filme, por sua vez, enreda-se, também, em questões atuais, como guerra permanente entre o estado de Israel, autodenominado em 1948, e o povo palestino.
O atual recrudescimento do conflito começou em outubro de 2023 com uma incursão de militantes do Hamas em território ocupado por Israel, no qual morreram 1200 e 250 israelenses foram sequestrados.
Com a justificativa de exterminar o Hamas, Israel deflagrou guerra total aos palestinos da Faixa de Gaza e já matou ao menos 50 mil pessoas. Entre os mortos estão 17 mil crianças.
Estado único
A solução de dois estados, um judeu e outro palestino, é uma decisão não unânime de países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948. Essas nações reconheceram a invasão e a ocupação do território palestino, a partir de 1948, por meio da chamada nakba, catástrofe em árabe.
“[…]agora, então, a solução é um estado só, laico, com direitos iguais para palestinos e judeus, palestinos muçulmanos, palestinos cristãos e palestinos judeus que estavam lá desde sempre”, defendeu Hatoum.
O escritor lembra que durante a catástrofe de 1948-1949, centenas de cidades, vilarejos e aldeias foram massacrados. Lembra ainda que ao menos 700 mil palestinos foram expulsos das suas terras. A ONU estima que os descendentes da nakba sejam hoje mais 5 milhões de pessoas. Estas se espalharam ao redor do mundo.
Supremacistas
Isso explicita, segundo Hatoum, que Estado de Israel está promovendo – como sempre promoveu – uma política supremacista, exclusiva para os sionistas, para eles, judeus sionistas. “Só que os palestinos não foram [derrotados), eles querem ficar lá. Lá é a terra deles”, reafirmou o escritor, para reforçar a sua ideia de estado único para judeus e árabes.
Genocídio de Gaza
Precavendo-se da inteira revelação do filme, Hatoum adianta que uma das alterações da narração do romance – ou das invenções –, com as quais ele disse concordar, foi trazer “[…) essas questões sobre o genocídio de Gaza e dos refugiados políticos, para a atualidade, para a contemporaneidade”.
Já o romance, explica ele, trata mais da imigração e de um drama familiar envolvendo libaneses e sírios que vieram para a Amazônia e se instalaram em Manaus.
Crime de guerra
O escritor, também, considera importante e necessário o cumprimento do mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Ele acusado de cometer crime de guerra.
“É importante porque mostra ao mundo, pela primeira vez, que os dirigentes da aliança (pro-Israel, liderada pelos Estados Unidos) são criminosos de guerra. Sempre foram [assim], mas mostram [mais uma vez] agora”,
acentuou o escritor MIlton Hatoum.
Trata-se, para Hatoum, da decisão do tribunal composto centenas de países que se reúne para julgar causas de alta complexidade. Entre essas, acusação de crime da prática de genocídio.
“Então, do ponto de vista da lei internacional, é um passo importantíssimo para que o mundo saiba que esse estado [Israel] é movido pela violência e pelo extermínio do povo palestino”.
O escritor conquistou três prêmios Jabuti, conferidos pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). Seus livros alcançaram mais de 400 mil exemplares no Brasil e foram traduzidos para doze línguas e publicados em catorze países.
Obras de Milton Hatoum
Relato de um certo Oriente (1989) — romance Dois irmãos (2000) — romance Cinzas do Norte (2005) — romance Órfãos do Eldorado (2008) — romance A cidade ilhada (2009) — contos Um solitário à espreita (2013) — crônicas A noite da espera (2017) — romance Pontos de fuga (2019) — romance”
Todos publicados pela editora paulista Companhia das Letras.
Fotos: Wilson Nogueira