O governador José Melo (Pros) usou sua habilidade profissional de professor para fazer uma palestra para membros do sistema de segurança pública do estado sobre o surgimento do crime organizado no país e no Amazonas e como ele age hoje nos presídios de todo o país.
Melo disse que fez uma pesquisa e consultou os maiores especialistas no tema para afirmar (olhando para o secretário de Administração Penitenciária [Seap], que o sistema penitenciário é “falido, carcomido, e coisa que mais se aproxima do inferno”.
Ele recordou um episódio da história recente de Manaus, as galeras (grupos de marginais), como o início da facção criminosa Família do Norte, a FDN, que assumiu a autoria do maior massacre de presos dentro de um presídio, o acontecido no Compaj no dia 1º de janeiro deste ano.
Segundo o governador, autoridades e parte da imprensa se aproveitaram para vender esse fato como sendo um problema isolado do Amazonas. Acontecimentos posteriores, em Roraima e Rio Grande do Norte, revelaram a falência do sistema prisional brasileiro.
O crime organizado que se fortalece em torno do tráfico de droga passa a ser prioridade na área de segurança pública. “A droga, portanto, infelicita as famílias, infelicita as pessoas, ela atinge de morte o Estado brasileiro, porque ela atinge o cérebro daqueles que serão os futuros dirigentes”. Melo não citou nome.
No encerramento, falou que a corrupção dos presídios estaduais também existe nos chamados de segurança máxima. E lembrou que a ordem do massacre no Compaj veio por um telefonema de dentro de um desses presídios.
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Confira a íntegra da palestra do governador:
“Cumprimentar e agradecer o Cleidman, que aceitou o desafio, talvez o maior de todos os desafios que se possa ter neste estado, que é o desafio de poder conduzir um sistema penitenciário carcomido, falido, coisa que mais se aproxima do inferno.
E queria que você me permitisse a respeito desse tema divagar um pouquinho para vocês compreenderem a natureza das coisas. Quando aconteceu aquele episódio lamentável, numa das penitenciárias do nosso estado, parte da imprensa e até de autoridades tentou passar para o Brasil e para o mundo de que aquele era um episódio isolado do estado do Amazonas e que não tinha nada a ver com as organizações criminosas que existem no país.
Eu me senti incomodado com aquilo e resolvi enfrentar o desafio de poder provar que aquilo não era verdade. Mergulhei em toda a literatura que existe sobre a matéria, consultei os maiores especialistas do mundo e fui em frente, escrevi uma proposta e, depois, os governadores do Norte e do Centro-Oeste reafirmaram. Levamos ao presidente da República e muitas coisas vão acontecer.
Tudo isso tem a ver com o crime organizado no Brasil. E o crime organizado no Brasil começou em 1993, numa penitenciária de segurança máxima de São Paulo, quando se criou ali o PCC (Primeiro Comando da Capital).
Em 1996, no Rio de Janeiro, se criou o Comando Vermelho. Tanto o PCC e o Comando Vermelho, no início das suas criações, eles tinham a inspiração de presos políticos ideológicos. Então, eles davam ordem aqui para assaltar bancos, para conseguir dinheiro para poder financiar a ideologia deles aqui fora, porque eles tinham a vã esperança de que, com isso, pudessem reverter (inaudível)… a Brasil no que diz respeito aos militares que tinha assumido o país.
Com o passar do tempo, tanto o Comando Vermelho quanto o PCC conviveram harmonicamente: você não vai ao Rio e eu não vou a São Paulo. Ambos tinham um único fornecedor de drogas, que era um paraguaio. Um certo tempo, o PCC entrou no Paraguai com 100 homens e assassinou o fornecedor das drogas e ele, PCC, assumiu a distribuição de drogas tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro.
Aquela harmonia que existia entre os dois acabou e o Comando Vermelho, enfraquecido, resolveu pegar parte de seus integrantes para formar facções no resto do país.
Nesta altura, o Governo de São Paulo resolveu botar a mão forte do Estado em cima da criminalidade. E aí o Comando Vermelho resolveu espalhar os seus integrantes pelo resto do Brasil. E, hoje, existem 27 facções criminosas organizadas no país.
Quando os americanos resolveram ajudar a Colômbia no combate ao tráfico de drogas, investiram mais de um trilhão na Colômbia e resolveram também combater o tráfico de drogas na Bahamas, no Panamá e em Miami. Quem não se lembra aqui que o general Noriega foi preso porque era o ditador que colocava as mãos no tráfico de drogas para jogar no Panamá?
Quando fez isso, traficantes peruanos, colombianos e bolivianos resolveram escolher uma nova rota, para que o tráfico saísse dos muros desses três países para chegar aos grandes centros consumidores e, a partir daí, todos nós, governo federal, governos estaduais, autoridades, todos nós, só vendo a banda passar se formou aqui no nosso estado a chamada FDN (Família do Norte).
Ela foi formada dentro das nossas penitenciárias também e, depois, foi formada para dar cobertura à passagem das drogas pelos nossos rios até chegar a Belém e depois em Recife e depois fosse distribuído para a Europa inteira, parte da Ásia e da África.
No solo desses três países, apesar do combate firme do Peru e da Colômbia, se produzem 93% de toda a cocaína consumida no mundo. E, lá do Brasil central, vindo do Paraguai (inaudível).
Todas as nossas fronteiras, mais de 7 mil quilômetros de fronteiras – (inaudível).
Essa estatística é terrível porque, em 1993, quando o PCC foi fundado, e agora, 24 anos passados, e, à altura que o PCC foi criado, o Brasil era país consumidor de drogas. Vinte e três anos depois, ele é lamentavelmente o segundo país onde mais se consome drogas no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos.
As estatísticas mostram. Aas drogas são o flagelo da humanidade, a droga corrói células do cérebro, tira o raciocínio e, ao tirar o raciocínio, inocula o que há de mais ruim no ser humano que é a raiva, que é a ira.
Por isso, aqui e acolá você vê neto matando avó, filho dando pancada na mãe, outros dando terçadada no pai. Por quê? Porque o viciado que é, desesperado pela droga, para apascentar o mundo cão que existe na sua mente, no seu cérebro, ele faz qualquer coisa para poder fazer as suas.
A droga, portanto, infelicita as famílias, infelicita as pessoas, ela atinge de morte o Estado brasileiro, porque ela atinge o cérebro daqueles que serão os futuros dirigentes. Ela começa a agir muito cedo.
Por isso, o meu governo escolheu o combate ao tráfico de drogas como peça fundamental da nossa atividade na segurança pública e o resultado é que, em apenas dois anos de idade, com aquela apreensão que nós fizemos na semana passada, já apreendemos mais drogas do que os últimos 25 anos que antecederam o nosso governo.
Em mais de um mês praticamente dobramos a nossa população carcerária e destes aí, 71% são egressos do tráfico de drogas.
Em Manaus, se fundou o PCC. O PCC começou sem essa sigla, mas começou com as galeras. As galeras, vocês lembram disso.
Na época do governo do Amazonino, ele resolveu dar uma dura em cima das galeras. Prendeu os principais cabeças das galeras, colocaram dentro das nossas penitenciárias e lá esses galerosos formaram a Família do Norte, que depois teve integrantes como o Zé Roberto da Compensa, o João Branco. Mas, a mesma polícia que está aqui hoje agindo em comum acordo com os órgãos de segurança do país, no caso a Polícia Federal e a Abin, esta polícia colocou na cadeia os principais dirigentes da organização criminosa Família do Norte.
Conseguiu levá-los daqui para os chamados presídios de segurança máxima.
Havia uma certa paz reinando dentro das penitenciárias e aqui fora, porque a FDN era a única que fornecia drogas para aqueles que eram distribuídos e depois levados para os usuários.
O PCC estava aqui, o Comando Vermelho também estava, mas o braço que coordenava toda a distribuição da droga em Manaus e nas cidades do Amazonas era a Família do Norte. E mais ainda: ela era a que dava proteção para passagem das drogas pelos rios do Amazonas até chegar no Pará.
Com a prisão dos dirigentes da Família do Norte quebrou a cadeia de comando. Quebrou o elo de distribuição. Com a ida dos dirigentes para fora isso se quebrou e aí os traficantes começaram a invadir território, que não deveria invadir, de acordo com as regras da FDN.
E o resultado de tudo isso é que nós vemos todos os dias nas nossas ruas traficantes matando traficantes, aumentando as estatísticas de homicídio.
Em 98% dos casos em que aparecem pessoas mortas por tráfico a família não reclama, a família sequer faz o enterro, por quê? Porque é traficante matando traficante. Mas, isso não é só traficante matando traficante. Aqui e acolá uma pessoa de bem também perde a vida, até membros da nossa corporação já perderam.
Não deu certo porque continuava invadindo território dos outros. Aí veio uma ordem para não só matar, mas agora matar e desmembrar. Quem não lembra das malas?
Era um aviso. Aqueles estavam invadindo território dos outros.
Não deu certo. E aí aconteceu um fato horroroso no nosso ordenamento jurídico. Até então um preso como Zé Roberto tinha que ficar segregado numa cela sem convívio com ninguém. A lei permitiu que esses presos saíssem das celas e tivessem convivência com outros nos presídios de segurança máxima.
A corrupção que existe no sistema penitenciário funciona também dentro de uma prisão de segurança máxima. Tanto é que a ordem para o massacre aqui para a cidade de Manaus veio de dentro de uma prisão de segurança máxima. Tinha um telefone lá. E foi dado uma ligação para cá.
E aí eu quero dizer para vocês que o fato do Amazonas não é um fato isolado não. Aconteceu em Roraima, ia acontecer no Acre. Não aconteceu porque nós e a inteligência do Acre agimos e não aconteceu. Ia acontecer em Belém, em grau muito maior, mas o governador foi alertado e não aconteceu. Tá no Rio Grande do Norte até hoje.
Por quê? Porque isso é um tumor cancerígeno que cresce em progressão geométrica dentro da sociedade brasileira.
Não dá para você querer combater o câncer quando a metástase já está formada, porque nem a quimioterapia nem a radioterapia nem os pacotes de remédios que você toma todo dia, cento e tantas pílulas que você toma todo dia, dará resultado porque a célula cancerígena já se espalhou pelo corpo.
A nossa célula cancerígena é o crime organizado, as drogas, que estão inoculadas em nossa sociedade”.
Foto: BNC