Governo dará “tiro pela culatra” se recontar mortos, diz cientista em Manaus
Governo prometeu recontar os casos de mortes e já começou a fazê-lo no fim de semana com alterações nos números dos estados.

Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 08/06/2020 às 20:14 | Atualizado em: 08/06/2020 às 20:14
Em entrevista à jornalista Mônica Bergarmo, do jornal Folha de S.Paulo, o epidemiologista da Fiocruz de Manaus Jesem Orellana disse que se o governo de Jair Bolsonaro resolver recontar os mortos por covid-19 dará um “tiro pela culatra“, pois o número de vítimas é muito maior do que divulgado nos boletins oficiais.
Pesquisa realizada por Jesem Oreallana com dados de algumas capitais apontou para altíssima subnotificação.
“Vai ser um tiro pela culatra porque os números mostram o contrário do que eles dizem pensar: há milhares de mortes respiratórias em que as pessoas foram enterradas sem o diagnóstico de covid-19, porque não foram feitos os exames adequados”, afirma ele
No caso de Manaus, o pesquisador disse que morreram entre 8 março a 16 de maio 2.519 pessoas por doenças respiratórias.
Desse total, 920 tiveram diagnóstico de covid-19. Os 1.599 enterrados sem a confirmação da doença revela a subnotificação.
Segundo ele, houve também uma explosão de número de mortes em vias públicas e em casas na capital do Amazonas.
Só na 16ª semana epidemiológica, quando a cidade começou a viver o pico da doença, elas saltaram de 33, em 2019, para 268.
“É bem provável que mais da metade delas tenha ocorrido por causa da doença, sem que isso fosse descoberto. São diagnósticos ocultos (…) Uma investigação, se for séria, técnica, vai mostrar isso”, afirmou o cientista.
No mesmo período, morreram em São Paulo 9.271 por doenças respiratórias, sendo que somente 2.792 recebem o diagnóstico covid-19.
Outras 6.479 foram enterradas sem a confirmação da doença.
Na cidade, o número de mortos por doença respiratória subiu 30% em relação ao ano passado.
O pesquisador chegou ao mesmo resultado cruzando os dados em Fortaleza e Rio de Janeiro.
A recontagem do número de mortos foi defendida pelo empresário Carlos Wizard, que iria assumir uma secretaria no Ministério da Saúde, mas resolveu não tomar posse após enxurrada de críticas.
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Divulgação de dados
Na última sexta-feira, dia 6, o Ministério da Saúde retirou do seu site oficial as informações acumuladas sobre o número de casos e mortes.
A mudança seguiu o mesmo protocolo que foi adotado para o boletim diário de divulgação.
Partidos da oposição como PT, PCdoB, Psol e Rede ingressaram com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) cobrando a divulgação dos dados.
“Essa irresponsabilidade, principalmente de Bolsonaro, precisa ser combatida. Por isso, os parlamentares da esquerda na Câmara Federal, com meu apoio, entraram com ação no STF para que o Governo Federal publique com transparência e veracidade todos os dados da Covid-19”, criticou o deputado José Ricardo (PT).
Em nota, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) diz que o governo viola direito à informação e à saúde com omissão de dados.
“Entidade representativa dos jornalistas ressalta que informações sobre a covid-19 são imprescindíveis para as ações sanitárias e para a orientação correta à população”, diz a entidade.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, também comunicou que a entidade vai ingressar com uma ação no STF contra a omissão de dados do governo Bolsonaro sobre a pandemia do coronavírus.
“A OAB irá ao STF, contra a omissão de dados sobre a pandemia, por parte do governo federal. É uma ocultação proposital, injustificada e danosa. Os dados estão sendo manipulados diariamente para dificultar a interpretação. O governo e o covid trabalhando lado a lado contra o país”, escreveu Felipe Santa Cruz no Twitter.
Foto: Reprodução/Agência Brasil/Amanda Perobelli/Reuters