Deputados federais e senadores das comissões externas do Congresso Nacional, para apurar as causas dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, concluíram as diligências in loco no Vale do Javari, no Amazonas.
A comitiva de parlamentares realizou audiências e reuniões com lideranças indígenas e representantes da força tarefa que participou das buscas e agora investiga os assassinatos, no último dia 30 de junho, em Atalaia do Norte e Tabatinga, na fronteira com Peru e Colômbia.
Na sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), as comissões ouviram críticas e denúncias sobre o abandono do governo federal na região, o que, segundo as lideranças, tem facilitado a entrada de invasores e a prática de atividades criminosas na terra indígena.
Segundo eles, as mortes de Bruno e Dom marcam um histórico de lutas contra a falta de segurança na terra indígena.
Ao pedir justiça, relembraram a morte de outro colaborador da Funai na área, Maxciel dos Santos Pereira, assassinado em 2019, em Tabatinga.
“Infelizmente, alguém tinha que morrer, nós temos que morrer para chamar atenção. Então, talvez, o papel do Bruno e do Dom Phillips foi justamente terem que pagar com a vida para que as autoridades, vocês parlamentares pudessem vir aqui”, disse Manoel Chorimpa, liderança do povo marubo e representante da Unijava.
A atual gestão da Fundação Nacional do Índio (Funai) foi duramente criticada, e por isso, os líderes indígenas pediram o imediato afastamento do presidente Marcelo Xavier.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) recomendou à comissão do Senado medidas para o imediato afastamento de Xavier.
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP, presidente da comissão, reafirmou o apoio do Senado. “Nós não esqueceremos nenhuma das palavras que vocês disseram. Nós não decepcionaremos vocês. Vocês não estão sozinhos”.
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Identificação dos mandantes
Na audiência com as lideranças indígenas, os deputados José Ricardo (PT-AM) e Vivi Reis (Psol-PA), presidente e relatora, respectivamente, da comissão da Câmara, se comprometeram de apurar os assassinatos, identificar os mandantes e a rede criminosa que atua na região.
Diante de novas denúncias sobre ameaças de morte a servidores e indígenas, falta de estrutura e de pessoal nos órgãos de segurança e de fiscalização e inércia por parte das autoridades, as comissões vão cobrar providências do Ministério da Justiça e suporte da Força Nacional para ampliar as ações e as investigações na região.
Para Ricardo, há muitos desafios a serem enfrentados nessa região, necessidade de mais investimentos e de estrutura do poder público, do governo federal, para garantir os direitos dos povos indígenas, além de alternativas para a população não indígena.
“É necessário aprofundamento nas investigações das mortes de Bruno e Dom, com relação a mais pessoas envolvidas, mandantes e as razões desses crimes. Por outro lado, órgãos públicos, como a Funai, precisam ser responsabilizados, na figura do seu gestor, pela falta de investimentos e de condições adequadas de trabalho”.
De acordo com o parlamentar, há um apelo pela segurança de quem está hoje atuando na linha de frente da Funai, como também de lideranças e indígenas que se sentem ameaçados. “Tudo isso será cobrado do governo federal, por meio desta comissão externa”.
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Outras mortes e ameaças
Durante as oitivas, os indígenas denunciaram que três servidores da Funai já foram mortos por conta do seu exercício funcional.
Além disso, disseram que, há dois meses, dois servidores foram ameaçados em outros municípios.
Afirmaram ainda aos parlamentares que pedem força policial, registram boletins de ocorrência, mas nada é feito para garantir segurança no local.
“As ameaças são cotidianas. Estamos numa das áreas com maior incidência do narcotráfico, e não temos um motor de popa para atuar. Somos poucos servidores e precisamos do mínimo de condições para fazer o nosso trabalho”, afirmou um servidor que não teve a identidade revelada.
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Denúncias sigilosas
Algumas lideranças indígenas em Atalaia do Norte fizeram denúncias sigilosas que farão parte de documento oficial da Câmara dos Deputados.
Dessa forma, isso servirá como base de cobranças e ações em defesa dos povos indígenas do Vale do Javari. Sobretudo, com relação à segurança daqueles que estão ameaçados.
Em reunião com prefeitos e vereadores da região, houve a confirmação de que há, de fato, pesca ilegal do pirarucu e de quelônios em terras indígenas, como também a extração ilegal de madeira e do garimpo.
Também reclamaram da falta de segurança na fronteira, que deveria existir dentro de Atalaia do Norte, como ainda da estrutura precária da saúde e da educação no município.
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Carta ao parlamento
No encontro, os povos indígenas do Vale do Javari entregaram uma carta aos parlamentares.
Por meio do documento, a Univaja encaminhou reivindicações para ação imediata a fim de mitigar a situação da falta de segurança na terra indígena.
Os principais pontos são:
presença ostensiva e permanente da Polícia Militar ambiental nas quatro bases de proteção etnoambiental do Vale do Javari para atuar junto à Univaja e Funai; criação de base de proteção etnoambiental da Funai no rio Jutaí para impedir a entrada de balsas de garimpo e outros invasores; criação de posto avançado de segurança em Atalaia do Norte, envolvendo Polícia Federal, Força Nacional, Exército e Ministério Público e reabertura de escritório do Ibama; realização de rondas ostensivas e urgentes nos rios Itacoaí, Javari e Curuçá; operação conjunta entre forças de segurança do Brasil, Peru e Colômbia no rio Javari, visando erradicar o narcotráfico e o contrabando; regulamentação do poder de polícia administrativa da Funai, com direito ao porte de arma aos sevidores; garantir recursos humanos, investimento e insumos para o desempenho das ações da Funai; orientação do presidente da Funai para que seja realizada a proteção efetiva da terra indígena do Vale do Javari e seus povos; garantia de segurança e proteção para servidores da Funai e indígenas ameaçados.
Relatório final
Ao final, um relatório detalhado com todas as denúncias será encaminhado ao Ministério Público, além de cobrar que as investigações das mortes de Bruno Pereira, Dom Phillips e Maxwell Souza.
Todas essas mortes estão relacionadas aos casos de crimes ambientais.
O pedido de exoneração do atual presidente da Funai também foi aprovado nessa diligência das comissões.
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