Jurista aponta crime contra humanidade de Bolsonaro na crise em Manaus

Reale Jr. afirmou que Bolsonaro quis colocar a economia à frente da proteção da vida e da saúde pública, o que levou o país aos cemitérios e às UTIs

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Publicado em: 15/09/2021 às 11:59 | Atualizado em: 15/09/2021 às 11:59

O jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. disse em entrevista à GloboNews, nesta quarta-feira (15), que o presidente Jair Bolsonaro atuou a favor da disseminação do coronavírus no país ao longo da pandemia e que isso não foi negligência, mas sim uma política pensada.

O parecer do grupo de Miguel Reale Jr aponta crimes contra a humanidade na conduta de Jair Bolsonaro, Eduardo Pazuello e Mayra Pinheiro na crise do oxigênio em Manaus.

Segundo o jurista, o governo aproveitou a escassez do insumo para promover o chamado ‘tratamento precoce’, com o kit covid, apostando na tese de imunidade do rebanho.

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Reale Jr. afirmou que Bolsonaro quis colocar a economia à frente da proteção da vida e da saúde pública, o que levou o país aos cemitérios e às UTIs.

Um “experimento pseudocientífico”, diz Reale Jr.

“De todo o apurado – e aqui ressalta-se apenas uma parcela da documentação apresentada à CPI, pelos diversos depoentes e por documentos e relatórios enviados por entidades fidedignas da comunidade científica e da sociedade civil –, fica demonstrado que a situação caótica da saúde em Manaus agravou-se ao servir de palco para um experimento pseudocientífico levado a cabo pelo Governo Federal, através do presidente da República, o ministro da Saúde Eduardo Pazuello e demais servidores do Ministério da Saúde a eles subordinados servindo a população amazonense como verdadeira cobaia da administração desenfreada de medicamentos sem qualquer comprovação científica de eficácia no tratamento da Covid-19, e demora proposital em enviar ao Estado os insumos e equipamentos requisitados em caráter de urgência pelas autoridades estaduais.“ 

Para o jurista, a conduta representou verdadeiro “ataque à população civil”, o que enquadra os responsáveis no Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional.

Segundo ele, há elementos que autorizam a conclusão de que os atos e omissões deliberados da Presidência da República, diretamente ou por seus órgãos, em especial o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello, e sua subordinada Dra. Mayra Pinheiro, traduzem a existência dos elementos contextuais de crimes contra a humanidade previstos no artigo 7º (1)(k) do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, consistentes na inflição de atos desumanos de extrema gravidade e que causaram, e continuam a causar, grande sofrimento, mortes, lesões corporais graves, danos duradouros à saúde física e mental de pacientes, e danos materiais e psicológicos às famílias e aos profissionais de saúde”. 

Soma-se ainda a isso a reiterada política de “imunização de rebanho” para todo o país, propalada, de acordo com o parecer de Reale Jr, por Bolsonaro, Pazuello e “pelos apoiadores Ricardo Braga, Antony Wong, Nise Yamaguchi, Osmar Terra, entre outros”.

“A política de ataque à população civil através do projeto e implementação deliberada de condutas comissivas e de omissões levaram ao resultado morte e lesões em centenas de pessoas em Manaus e adjacências.” 

Parecer dos juristas

No parecer entregue à CPI nesta terça-feira (14), os juristas apontam os seguintes crimes cometidos por Bolsonaro na pandemia:

CRIME DE RESPONSABILIDADE PELA VIOLAÇÃO DE GARANTIAS INDIVIDUAIS

As garantias individuais previstas na Constituição incluem o direito à vida e à saúde. Pelo parecer, o crime de responsabilidade foi cometido por Bolsonaro em diversas fases da pandemia ao promover aglomerações; incentivar o uso de produtos comprovadamente ineficazes contra a Covid, como cloroquina e ivermectina, e criticar o isolamento social.

O relatório aponta que o presidente “deixou de comprar vacinas” e comprometeu a imunização da população ao não responder propostas do Instituto Butantan e da Pfizer.

“O Presidente da República deixa de cumprir com o dever que lhe incumbe, de assumir a coordenação do combate à pandemia, dizendo lhe ter sido proibida qualquer ação pelo Supremo Tribunal Federal, que, como ressaltado antes, o desmente, pois há competência comum, e devem União, Estados e Municípios atuar conjuntamente segundo a estrutura do Sistema Único de Saúde”, diz o documento.

CRIME DE EPIDEMIA

O crime de epidemia está relacionado a condutas como ajudar a disseminar o coronavírus gerando aglomerações e desrespeitando o uso da máscara

“O Presidente da República praticou atos de manifestação pública e atos normativos claramente no sentido de causar a propagação da epidemia, seja para buscar a imunidade de rebanho, seja para supostamente privilegiar a economia em detrimento da vida e da saúde da população brasileira”, aponta o parecer.

CRIME DE INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA

Este crime é caracterizado quando alguém desrespeita medidas que têm por objetivo evitar a propagação do vírus, como a quarentena ou isolamento.

Nesse ponto, os juristas citaram passeios que Bolsonaro fez por Brasília, ocasiões em que e o presidente, sem máscara, abraçou pessoas.

CHARLATANISMO

O termo se refere ao ato ilegal de anunciar a cura de uma doença por um meio secreto.

“O estímulo ao uso de cloroquina e outros medicamentos não comprovados cientificamente foi um braço da política de estímulo à propagação da doença. Ao vender e propagar uma pretensa cura para a Covid-19, a partir da utilização de medicamentos sem eficácia comprovada e com possíveis efeitos colaterais sérios, o Presidente demonstra um absoluto desprezo à saúde dos brasileiros, revelando que a sua preocupação está única e exclusivamente voltada ao rápido retorno das pessoas ao trabalho”, disse o parecer.

INCITAÇÃO AO CRIME

A conduta apontada no relatório também está relacionada ao estímulo para que os apoiadores do governo desrespeitassem normas municipais, estaduais e federais de isolamento e proteção.

“O Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, ao estimular a população a se aglomerar, a não usar máscara e a não se vacinar, incitou a população a infringir determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa”, afirmam os juristas.

PREVARICAÇÃO

A prevaricação fica caracterizada quando um funcionário público dificulta ou atrasa alguma obrigação de seu cargo.

A comissão de juristas menciona episódio em que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o chefe de importação do Departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, afirmaram ter alertado Bolsonaro sobre suspeitas de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. “Diante do conjunto fático probatório produzido pela CPI, é possível afirmar que os irmãos Miranda não faltaram com a verdade quando denunciaram fatos graves de corrupção no Ministério da Saúde”, justificam os juristas.

CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

Aqui, os juristas falam em um ataque generalizado à população que causa danos duradouros à saúde física e mental de pacientes.

Neste ponto, o parecer faz referência à falta de abastecimento de oxigênio na cidade de Manaus e aos surtos de contaminação entre as populações indígenas.

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Foto: Márcio James/Semcom