Após anos de boicote da oposição, a Venezuela voltou a realizar eleições regionais e municipais no último domingo (21). Um pleito marcado pelo alto índice de abstenção — apenas 40% dos eleitores foram às urnas —, que evidenciou a crise na oposição e reforçou o poder do chavismo, de Nicolás Maduro, como principal força política no país.
Dos 23 cargos de governadores em disputa, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), que está no poder, conquistou 20, enquanto a oposição venceu em três estados, afirmou o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Pedro Calzadilla.
Segundo ele, o PSUV também levou a prefeitura de Caracas.
Os demais resultados das chamadas “megaeleições” — outros 334 cargos de prefeito e centenas de vereadores — não foram divulgados no primeiro boletim, liberado à meia-noite de domingo.
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Apesar das inúmeras denúncias de irregularidades que supostamente favoreceriam o partido no poder, os dirigentes do CNE afirmaram que houve avanços em relação às eleições anteriores em termos de equilíbrio, transparência e respeito pelo voto livre e seguro.
As eleições regionais e municipais de 21 de novembro foram as primeiras em quatro anos que contaram com ampla participação da oposição, que não reconhecia Nicolás Maduro como presidente desde 2018 e boicotou as eleições passadas por suposta falta de garantias.
Desta vez, também houve uma observação imparcial do pleito, dado o interesse internacional em saber se o governo de Maduro poderia garantir a competição democrática.
Entre os observadores de várias entidades internacionais, estavam a União Europeia, as Nações Unidas e o Carter Center, órgão especializado em processos eleitorais.
Desde as eleições legislativas de 2015, em que a oposição venceu por ampla margem, a observação de entidades internacionais neutras havia sido reduzida até desaparecer.
Se em 2020 estas comissões eleitorais justificaram a sua ausência por “falta de condições democráticas”, argumento da oposição, agora, pelo menos a princípio, estão moderadamente satisfeitas.
Renovação do CNE
Além disso, o pleito deste ano aconteceu após uma renovação inédita dos dirigentes do Conselho Nacional Eleitoral em busca de maior transparência.
Desde 2006, o presidente do CNE é Tibisay Lucena, hoje ministro do gabinete de Maduro. E a representatividade dos reitores foi sempre questionada pela oposição, que tinha apenas um dos cinco representantes no corpo eleitoral.
“As sanções dos Estados Unidos obrigaram o governo a ceder em várias áreas e esta renovação da CNE é uma delas”, afirma Luis Vicente León, analista e pesquisador.
Hoje, a oposição conta com dois dos cinco reitores do CNE.
Apesar de dezenas de políticos estarem desqualificados, proibidos ou mesmo presos, a renovação da CNE tem sido vista como uma evolução sem precedentes nas últimas décadas.
Alta abstenção
As eleições não contaram com o voto dos venezuelanos no exterior, cerca de 4 milhões de pessoas — de um total de 20 milhões cadastradas — que, a princípio, são uma força-chave para a oposição, já que muitas saíram do país fugindo da crise.
Ao longo do dia, foram registradas duas mortes e duas dezenas de feridos em eventos supostamente relacionados às eleições.
Os venezuelanos foram às urnas em um momento raro para o país: após décadas de profunda polarização, a política deixou de ser uma das principais preocupações do povo e a dolarização de fato e a abertura econômica tornaram possível mitigar a crise, ativar produção e aliviar parcialmente as necessidades urgentes.
Uma oposição em crise
“As eleições atestaram os erros da oposição”, disse o jornalista Daniel Pardo, enviado especial da BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, a Caracas.
“Por terem perdido força eleitoral em quatro anos de não participação, anunciaram sua participação muito perto da data da disputa e chegaram a ela divididos e brigados.”
A isso se soma que uma parte da oposição, liderada por Leopoldo López e Juan Guaidó, pediu a seus seguidores que não participassem.
“Em um país em que as pesquisas mostram que 20% da população rejeita o chavismo, os fracassos da oposição não se explicam apenas pelas vantagens da mesa eleitoral, mas também pelos erros de seu grupo”, conclui Pardo.
Henrique Capriles, ex-candidato presidencial e figura-chave no retorno da oposição à disputa, comemorou a participação de quase 9 milhões de venezuelanos.
“Assim que tivermos resultados totais por estados e municípios e a soma nacional, faremos o balanço necessário”, declarou.
Manuel Rosales, governador eleito do estado de Zulia, o mais populoso do país, acrescentou:
“Hoje ficou demonstrado que Zulia é a terra de homens e mulheres aguerridos, pujantes e defensores da liberdade. Zulia, um povo heroico hoje, venceu a democracia e o engajamento triunfou. A esperança venceu!”
‘Fruto de um trabalho perseverante’
O presidente Nicolás Maduro também se manifestou depois das eleições:
“Exorto todos os representantes das organizações políticas a respeitarem os resultados e estendo a minha mão ao diálogo político e à reunificação nacional”.
“Conquistamos 21 prefeituras, entre elas Caracas, uma boa vitória (…) é o fruto de um trabalho perseverante e de levar a verdade com retidão a todas as comunidades”, acrescentou.
A campanha do partido no poder se concentrou em conquistas como a redução da taxa de homicídios e a solução da escassez com uma dolarização de fato.
No entanto, a economia da Venezuela é hoje um terço do que era há 5 anos, a produção de petróleo diminuiu e a hiperinflação gerou uma desigualdade sem precedentes na história do país.
Maduro também se referiu às sanções por acusações de corrupção e violação dos direitos humanos impostas pelos Estados Unidos a funcionários de seu governo.
“Criamos consciência e continuaremos a retificar o que devemos retificar”, disse Maduro.
As eleições regionais, além de renovar os poderes locais, se tornaram simbolicamente um relançamento da chamada “oposição moderada” e uma medida de força diante do processo de negociação entre o governo e a oposição, que deve ser retomado em janeiro, no México.
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Foto: divulgação