A eleição tampão serve para refletirmos sobre as práticas da política tradicional. Repetiu-se o habitual e corriqueiro: a ausência de debate público sobre as urgências demandadas pela sociedade. No segundo turno, com maior e tempos iguais nas mídias para os dois candidatos, isso ficou mais evidente. Ao invés das questões de interesse geral – essas tão velhas por aqui quanto a invenção da Amazônia –, os finalistas do pleito preferiram amiudar-se no marketing das ofensas pessoais e da propagação do terror como meio de conduzir (coercitivamente) o eleitor às urnas.
A democracia, nesse contexto, virou uma peça distorcida e difusa para confundir a vontade do eleitor, entre as quais, a de não votar em nenhum dos “tampões”.
A premissa de uma eleição democrática sugere um debate público, por isso mesmo aberto aos indivíduos e à sociedade de modo direto ou por intermédio das suas instituições representativas: associação de bairros, de grupos étnicos, de religiosos, de gêneros, de negócios (micros e macros) etc.
O debate público sério não comporta o “eu proponho”, “eu tenho a solução”, “eu prometo” ou “eu faço”, porque essas afirmativas sinalizam o personalismo, o autoritarismo e o desrespeito às vontades e (por que não?) aos sonhos dos eleitores.
Um vilarejo, uma cidade ou um estado não são obras de um só homem ou de uma só mulher, logo não podem prescindir da experiência coletiva para tocar suas vidas.
Certamente, por isso, esta eleição no Amazonas está marcada pelo desânimo, cuja origem pode estar na afronta à inteligência do eleitor.
Os políticos tradicionais – aqueles apegados a mesmices – acreditam que podem enganar os eleitores com as mesmas práticas e argumentos a cada eleição.
Assim, não disfarçam em condenar desgovernos passados como se não tivessem nada a ver com os mesmos; não hesitam em justificar alianças com antigos e recentes detratores como se estivessem praticando magnânimo perdão, e desse jeito duvidam da capacidade do eleitor de perceber que tal gesto é orientado por conveniências pessoais ou de grupelhos; e sequer piscam ao se anunciarem como senhores de novas ideias, quando, na verdade, não passam de senhores de velhas práticas e vaidades que persistem exatamente para impedir o florescimento do novo.
O novo na política passa por uma reforma profunda na legislação partidária, pela qual, quem sabe, possa emergir novas práticas e novos valores na relação dos políticos com a sociedade.
Mas, não é isso que a atual representação política no Congresso Nacional quer. Ao invés disso, quer sufocar a possibilidade de novas lideranças, quer varrer a diversidade ideológica, étnica e cultural – o fermento da política – da formação sociocultural do país.
Vivenciamos, assim, uma política perversa, sem escrúpulos e arrogante, na qual não é permitido ao novo de se manifestar em essência.
Deste posto de observação e ação, todavia, temos procurado contribuir com a emergência do novo: uma nova política, uma nova economia, uma nova ética, uma nova comunicação, uma nova sociedade…
Por isso, entendermos que o “mandato tampão” é tão importante quanto o mandato do “tempo normal”, haja vista que deve expressar a vontade do eleitor, ainda que essa vontade seja a deste contexto: confuso, difuso, perverso e, sobretudo, torto em termos de democracia.
O resultado, por fim, não deve se encerrar nele mesmo, mas, certamente, transbordar para uma reflexão a respeito das possibilidades do novo na política, a exemplo do novo que se tece nas redes comunicacionais, sem centro e sem hierarquias definitivos.
Ilustração: BNC