por Israel Conte , da redação
Perseguido pelos governos Hugo Chávez e Nicolás Maduro por se recusar a desapropriar, com fraude, famílias que possuíam terras ricas em mineração, o juiz federal Oswaldo José Ponce Pérez refugiou-se no Brasil após ter o filho mais velho assassinado e o carro incendiado.
Em entrevista ao BNC Amazonas hoje na sede da Amazon (Associação dos Magistrados do Amazonas), Ponce, que hoje auxilia voluntariamente venezuelanos a regularizarem sua situação no Brasil, conta detalhes da perseguição que sofreu no país vizinho, a tentativa do governo do que chamou de “traição à pátria” e a vida nova em Roraima que começou com um trabalho análogo à escravidão.
Ponce Pérez é descendente direto do militar Simón Bolívar considerado líder da independência da Venezuela, alcançada em 1810.
Traição à pátria
De família rica e tradicional, o juiz desempenhou suas funções em Caracas normalmente de 1999 a 2009.
“Foi quando o governo [na época Chávez] queria que eu me prestasse, junto com a Guarda Nacional e com o Ministério Público e todo aquele esquema de corrupção institucionalizada, a armar e colocar 200 famílias na cadeia, com simulação de drogas e armas, para tomar as terras”, relatou Ponce.
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O juiz disse que não aceitou a fraude por “princípios éticos” e cujo fim era “satisfazer o governo” que “iria entregar as terras, ricas em minérios estratégicos, para as transnacionais, inclusive constituindo um delito grave de traição à pátria”.
Segundo Ponce, esse foi apenas um dos casos de interferência em sua jurisdição.
“Como não aceitava eles começaram a me atacar institucionalmente primeiro. Tentaram tomar meus bens mas não conseguiram porque estavam todos declarados. Logo depois tentaram me prender por crime militar, mesmo sem eu ser militar. Não conseguiram, pois tinham poder político mas não tinham o conhecimento jurídico”, lembra.
Morte do filho
As ofensivas foram se agravando ao ponto do magistrado passar a receber ligações ameaçadoras, ter o carro Camaro incendiado e sofrer o maior dos golpes: o assassinato do filho de 24 anos, em 2013.
“Aí acabaram com a minha vida”, conta ele que nos dois anos seguintes dedicou-se a regularizar sua documentação, vender a mansão em que morava e os outros bens para deixar a Venezuela.
Ponce escolheu o Brasil para recomeçar a vida. Porém, ao cruzar a fronteira e chegar em Boa Vista viu o dinheiro do seu país durar apenas dois meses. Foi obrigado a limpar vidros de carro e vendeu dindin para sobreviver.
Quase escravo
Com o tempo foi parar numa oficina de trator. Trabalhava de 7h às 20h e só recebia o suficiente para pagar o prato de comida e o aluguel de um quarto que morava. “Quando me toquei estava sendo vítima de trabalho análogo à escravidão”.
Foi então que ele decidiu exibir nas ruas e praças da capital seu talento artístico: tocar harpa. “Então consegui pagar as contas”.
Paralelamente, revalidou seu diploma de Direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e hoje atua como conciliador voluntário na Vara da Justiça Itinerante.
Obrigado, Brasil!
Por conhecer a língua e a cultura venezuelana e ter formação jurídica, foi nomeado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) para auxiliar seus compatriotas.
Ponce ganha a vida exercendo a função de tradutor do espanhol em audiências do setor de imigração.
“Não é o patamar que eu tinha lá. Mas estou encaixando devagar. Vou estudar para passar na [prova] OAB. Mais pra frente quero ser juiz brasileiro como uma forma de agradecer à nação brasileira a tudo o que tem feito por mim”, disse.
Democracia
A entrevista foi concedida na sede da Amazon e o presidente Cássio Borges disse ter sido uma honra abrir as portas da entidade para o colega venezuelano.
“Não temos cor nem partido. Nosso lado é a Constituição do Brasil, a liberdade, a democracia como valor supremo, a dignidade humana.Para nós é uma honra abrir as portas para o nosso colega venezuelano para mostrar que os juízes brasileiros não concordam com nenhum procedimento arbitrário e ditadura”, destacou.
Foto: Israel Conte/BNC