O Amazonas não aceita o descaso, não admite a ironia, que flerta com o deboche, do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao deixar claro, com a lógica do ultra-liberalismo que representa, que acabará com o modelo Zona Franca de Manaus, de uma forma ou de outra. Foi o que, o rotulado todo poderoso da economia brasileira, deixou claro, em entrevista à Globo News.
‘’Quer dizer que eu tenho que deixar o Brasil bem ferrado, bem desarrumado porque, senão, não tem vantagem para Manaus?’’
Não, ministro, o senhor não tem que deixar o Brasil ferrado e muito menos condenar o Amazonas a uma era de depressão social e econômica. Esse é o seu desafio, que ninguém o impôs, ao fazer parte deste governo, eleito nas urnas. O senhor precisa governar para todos, não somos cidadãos de segunda categoria. Exigimos respeito.
É cruel exigir que desenvolvamos novas matrizes econômicas da noite para o dia, porque não é assim que investimentos se constroem e amadurecem, como acredito que o Senhor deva saber. É verdade que nesses 52 anos de Zona Franca, os governantes locais não fizeram o dever de casa; dormiram em berço esplêndido e não buscaram alternativas de desenvolvimento independentes do humor do Presidente da ocasião. Mas não deve ser por isso que a população seja penalizada.
E como tratar desiguais de forma igual? É assim que o Senhor Ministro insiste em considerar a Região Norte, os povos amazônicos, historicamente ignorados pelo Governo central, salvo os projetos militares que buscaram a integração da região, mas que se perderam no tempo, com excessão justamente da Zona Franca, que agora, mais do que nunca, é atacada de morte.
Paulo Guedes diz que o Amazonas tem que explorar a mineração, suas potencialidades, mas como fazê-lo sem infraestrutura, sem logística?
O projeto de recapeamento do maior trecho da BR-319, que liga o Amazonas ao restante do País a partir de Rondônia, esbarra nas infindáveis exigências dos órgãos de licenciamento ambiental, mesmo após a criação das reservas ao longo da BR e de todo compromisso do Estado em manter a floresta preservada. Os rios da região nunca se tornaram hidrovias de fato, com sinalização e dragagens necessárias; também neste caso, décadas de promessas, no nível da falação, e pouca ou nenhuma ação.
O radicalismo do ministro, que não enxerga pessoas, apenas números e dividendos, também revela total descaso com a necessária preservação da Amazônia, que no Estado do Amazonas encontra a maior reserva florestal tropical do mundo. E a constatação assusta, pelas consequências que ela representa.
Sem uma alternativa econômica, o movimento social natural será a exploração madeireira e mineral a qualquer custo, como ocorre no Sul do Estado do Pará.
Outra desastrosa consequência, sem precedentes: sem a floresta, o ciclo de chuvas mudará na região e no País, em especial no Sudeste, que a pouco tempo sofreu severa estiagem, com falta de água para o consumo humano. É na Amazônia onde se formam os ‘’rios voadores’’, responsáveis pela maior parte da chuva que alimenta os mananciais e os reservatórios do Sudeste do País.
Ao contrário do que o senhor ministro que fazer a opinião pública acreditar, o modelo Zona Franca não está falido. Em 2018, faturou R$ 92,7 bilhões, o maior resultado dos últimos cinco anos; obteve o terceiro maior crescimento industrial do País ano passado; a renúncia fiscal é muito menor do que os ganhos tributário para o próprio Governo Federal; e a maior geração de emprego é nos fornecedores instalados no Sudeste.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) reconheceu, reiteradas vezes, a importância do modelo econômico, sobretudo pelo seu retorno ambiental. Só quem não quer enxergar a realidade. Veja só: é o próprio governo brasileiro.
O modelo Zona Franca, senhor ministro, necessita sim ser reinventado, e esse é um dever de todos, do governo estadual e federal. A indústria de Manaus precisa embarcar em suas mercadorias valor regional, com produção de tecnologia local, baseada nos insumos amazônicos, proporcionados pela floresta, em pé. Ao invés de espuma derivada de petróleo, os assentos das motocicletas do Polo Industrial, o maior da América Latina, podem ser fabricados a partir de fibras vegetais amazônicas. Esse é apenas um exemplo entre tantos outros com pesquisas em andamento.
O governo federal historicamente ignorou a Amazônia e os povos que aqui vivem. Nunca a dotou de infraestrutura ou de condições necessárias para o desenvolvimento de suas potencialidades. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) sempre esteve de pires na mão, mendigando recursos federais para pagar até mesmo contas de energia e telefone.
Da mesma forma é tratada a Universidade Federal (Ufam), a mais antiga do país. Na década de 1990, o mesmo Governo construiu o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), com instalações e laboratórios modernos, mas sempre cedeu à pressão do empresariaPolo Industrial
do do Sudeste e nunca o fez funcionar de fato.
Então, senhor ministro, o que de fato falta para o país se desenvolver, mas como unidade?
Falta compreender as peculiaridades de cada região, a importância da Amazônia para o Brasil, para o mundo. Falta investir em infraestrutura na região, no desenvolvimento de pesquisa e conhecimento. Falta política pública integrada entre as esferas de poder para explorarmos sim as riquesas locais, mas de forma sustentável, com a floresta em pé. Falta conhecimento, boa vontade, o desprovimento de preconceitos. Falta pensar em um Brasil de diferenças, mas que precisa caminhar junto, de Norte a Sul.
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado