Segunda noite de apresentação, uma ode às ‘ades’
Israel entrou na arena com um cadeirante, seguido por componentes que representavam a diversidade de coletividades não indígenas da Amazônia

Ednilson Maciel
Publicado em: 02/07/2023 às 15:29 | Atualizado em: 02/07/2023 às 18:30
O boi Garantido desdobrou seu tema em “Garantido por toda a vida humana” em sua segunda apresentação. Assim, a diversidade das formas de ser, viver e crer foi destacada.
Israel entrou na arena com um cadeirante, seguido por componentes que representavam a diversidade de coletividades não indígenas da Amazônia, como ribeirinhos e quilombolas.
A noite “Eu sou porque nós somos”, resume a filosofia ubuntu. Essa filosofia africana, fala da conexão que existe entre todas as vidas. Assim, atribuindo novo significado para a conexão da dupla Israel, o apresentador, e Sebastião, o levantador de toadas. E nos itens coletivos, foi destacada a relação simbiótica entre os itens coletivos, Galera e Batucada.

Contudo, a primeira alegoria do espetáculo foi a lenda amazônica Kanarotti, o espírito da preservação, que trouxe a cunhã poranga. A lenda deveria ter sido apresentada ontem, quando o Garantido evidenciou a vida como natureza. Assim, ela pareceu deslocada no tema da noite.
Mas a lenda passou uma mensagem de combate ao mal que, atualmente, assola as comunidades indígenas e biológicas. Kanarotti, o espírito da preservação luta contra madeireiros e garimpeiros.
Garantido retomou o tema da noite com um impecável espetáculo de seus povos indígenas.

Os tuxauas no centro da arena representavam reconhecidas e atuais lideranças indígenas, como Dario Kopenawa e Ailton krenak. Apresentou ainda Tibira do Maranhão, que teria sido o primeiro caso de homofobia no Brasil, registrado ainda no período colonial.
Mas o destaque da diversidade sexual e de gênero da noite foi a rainha do folclore. Lívia Cristina é a primeira item a ser apresentada na arena como representante da comunidade LGBTQIA+. Sua fantasia tinha as cores do arco-íris da bandeira de sua comunidade.
Garantido ainda apresentou problemas com a alegoria da chegada da Rainha do Folclore, que entrou em três módulos.
Porém, a dança da resistência do povo Yanomami, liderada por Isabele Nogueira, foi de uma mensagem clara e delicada. Mostrando que a grandiosidade alegórica pode, vez ou outra, ser feita apenas com uma pena branca.
A diversidade religiosa foi representada por pajés, pais e mães de santo, e Ossaim, que é um orixá curandeiro sem gênero definido. Ainda Pai Francisco e Mãe Catirina foram representados como Oxum e Xango. Assim, lhes deslocou de um lugar de subalternidade para a realeza do mundo espiritual africano.
O boi Garantido ainda fez história na noite de ontem. Márcia Siqueira tirou o primeiro verso feito por uma mulher na arena.
O ritual odoxás, do povo Yekuana, trouxe o valioso pajé Adriano Paketá. O boi da baixa do São José brincou de boi na apoteose folclórica. Garantido saiu da arena conclamando sua comunidade de trabalhadores dos pés rachados, os perrechés, preparando-se para enfrentar a grandiosidade alegórica do seu contrário.

O boi Bumbá Caprichoso, contudo, entrou na arena a fim de mostrar que não é só grandioso em suas alegorias, mas em seu folclore. A noite “Viva a cultura popular” iniciou com sua tradição, toadas antigas, os bonecos Gigante e Dona Aurora.
Em seu discurso de abertura, assumiu as três versões de sua fundação: a dos irmãos Cid, de Luiz Pereira e Luiz Gonzaga. Caprichoso coloca em primeiro plano a sua popularidade.
O boi, símbolo maior da festa, pintou-se com padrão africano, conclamando sua negritude.

Sua porta estandarte surgiu entre os quilombolas da Amazônia, representando a festa da marujada de São Benedito. E a sua toada exaltou a musicalidade afroamazônica com o marabaixo, o gambá e o carimbó.

Em seu momento indígena, em ritmo de toada, foi executada a música Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré. A música é icônica para diferentes lutas políticas. Foi tocada para evocar o espírito da resistência cabana. O maior levante popular do período colonial amazônico, luta de negros e indígenas, foi representado na arena.
Outro destaque foi a primorosa alegoria que desenvolveu o Ritual indígena Munduruku Marupiara trouxe o pajé. Para competir com o performático pajé do contrário, o pajé Caprichoso investiu na transformação de sua belíssima fantasia que o engerava em porco espinho.
Caprichoso mostrou que ser folclórico e grandioso, não é necessariamente uma ambiguidade.

Dassuem Nogueira, especial para o BNC Amazonas
Foto: Alex Pazzuelo e Lucas Silva/Secom