Algoritmo identifica uso de robĂ´s para ‘turbinar’ eventos de Bolsonaro

O Twitter disse por meio de nota que "nĂ£o identificou comportamento automatizado generalizado na amplificaĂ§Ă£o da hashtag por robĂ´s"

Publicado em: 12/08/2022 Ă s 13:28 | Atualizado em: 12/08/2022 Ă s 13:28

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) utilizaram bots (robĂ´s) para impulsionar no Twitter o lançamento de sua candidatura Ă  reeleiĂ§Ă£o, indica a ferramenta Pegabot, algoritmo desenvolvido pelo ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), formado por pesquisadores de universidade como UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), FGV (FundaĂ§Ă£o Getulio Vargas) e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) Media Lab.

O PL oficializou o lançamento da reeleiĂ§Ă£o de Bolsonaro durante convenĂ§Ă£o partidĂ¡ria realizada no MaracanĂ£zinho, no Rio, no dia 24 de julho. No dia seguinte, o Pegabot analisou por 24 horas no Twitter o comportamento da tag #CapitaoDoPovoVaiVencerDeNovo.

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“Essa hashtag mobilizou um volume relevante de compartilhamentos em um curto espaço de tempo”, diz o ITS-Rio sobre os bots.

Como funcionam os bots e o que o Pegabot descobriu?

Esse robĂ´s funcionam retuitando de forma automĂ¡tica e em sequĂªncia posts de pessoas reais que utilizam uma determinada hashtag. Isso faz com que ela apareça em mais post, elevando seu desempenho no Twitter e figurando entre os assuntos mais comentado na rede social.

O instituto explica que, em mĂ©dia, um mesmo usuĂ¡rio mencionou atĂ© trĂªs vezes a hashtag #CapitaoDoPovoVaiVencerDeNovo. Para o levantamento, foram selecionados os usuĂ¡rios que publicaram pelo menos cinco vezes, “e analisamos a existĂªncia de comportamento automatizado entre eles usando o Pegabot”.

A conclusĂ£o Ă© que 46% dos 17.068 usuĂ¡rios analisados “apresentaram probabilidade de comportamento automatizado com valor igual ou maior a 70%”, respondendo “pelo compartilhamento de 26.760 tuĂ­tes e retuĂ­tes, 58,8% do volume total de tuĂ­tes coletados [45,5 mil]”.

Como o Pegabot encontra os robĂ´s no Twitter? ResponsĂ¡vel pelo departamento de Democracia e MĂ­dias no ITS-Rio, Karina Santos conta que o instituto monitora hashtags diariamente, “identificando quais despontam de forma potencialmente suspeitas”, como foi o caso da #CapitaoDoPovoVaiVencerDeNovo.

“A velocidade de compartilhamento e o tipo de engajamento em torno de um tema indica uma possibilidade de comportamento inautĂªntico”, afirma. “O algoritmo analisa caracterĂ­sticas do perfil, o tipo de engajamento na plataforma, linguagem utilizada na conta e a rede de seguidores ao redor do usuĂ¡rio.”

Por que o uso de robĂ´s Ă© perigoso? A especialista alerta que, nas redes sociais, a inteligĂªncia artificial sem transparĂªncia “pode ser usada para inflar um discurso especĂ­fico, construir e espalhar narrativas, criar bolhas de conteĂºdo e disseminar desinformaĂ§Ă£o”.

O que diz a lei? A lei eleitoral sĂ³ permite que conteĂºdos sejam impulsionados nas redes sociais se o autor pagar para que a plataforma, como o Twitter, espalhe a informaĂ§Ă£o.

O uso de robĂ´s, no entanto, Ă© proibido, afirma o advogado especialista em direito pĂºblico Roberto Piccelli, que cita a lei 9.504/97, alterada em 2017. Um dos trechos diz que que “NĂ£o Ă© admitida a veiculaĂ§Ă£o de conteĂºdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuĂ¡rio de aplicaĂ§Ă£o de internet com a intenĂ§Ă£o de falsear identidade”.

Em outro, afirma que “Ă© vedada a utilizaĂ§Ă£o de impulsionamento de conteĂºdos e ferramentas digitais nĂ£o disponibilizadas pelo provedor da aplicaĂ§Ă£o de internet”.

E se o responsĂ¡vel pelo robĂ´ for pego? O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sĂ³ interfere no assunto se receber alguma denĂºncia formal “de qualquer cidadĂ£o, incluindo dos adversĂ¡rios”, explica Piccelli, que estuda a relaĂ§Ă£o entre ConstituiĂ§Ă£o e mĂ­dias digitais.

A lei prevĂª multa de R$ 5.000 a R$ 30 mil ao autor, caso identificado, e tambĂ©m ao candidato beneficiado “quando comprovado seu prĂ©vio conhecimento”. JĂ¡ a rede social estarĂ¡ sujeita a multa apenas se descumprir ordem judicial para retirar o conteĂºdo do ar.

“Por mais que possamos supor que a iniciativa tenha partido de usuĂ¡rios sem o conhecimento da campanha, o uso de robĂ´s fere a lĂ³gica do controle das despesas eleitorais”, diz o advogado. “Afinal de contas, Ă© uma contribuiĂ§Ă£o inoficiosa Ă  campanha do candidato beneficiado, provavelmente de uma fonte ilĂ­cita.”

O que diz a campanha do presidente? Procurada, a campanha de reeleiĂ§Ă£o do presidente nĂ£o respondeu atĂ© a publicaĂ§Ă£o desta reportagem. O UOL tambĂ©m procurou o TSE, mas nĂ£o recebeu resposta.

O Twitter disse por meio de nota que “nĂ£o identificou comportamento automatizado generalizado na amplificaĂ§Ă£o da hashtag por robĂ´s”.

“Menos de 10 contas envolvidas na hashtag foram identificadas como em violaĂ§Ă£o Ă  nossa polĂ­tica anti-spam e devidamente suspensas”, diz.

A plataforma diz que ferramentas de terceiros “acessam informações pĂºblicas das contas, dados muito limitados para essa anĂ¡lise”.

Em 2020, o tribunal firmou uma parceria com WhatsApp, Twitter, Facebook, Instagram, Google e TikTok, que prometeram desenvolver ferramentas para rastrear os perfis falsos.

Questionado sobre o projeto, o Twitter nĂ£o respondeu. Disse que “o TSE tem um canal direto e permanente de contato com o Twitter para discutir iniciativas, melhores prĂ¡ticas e ações necessĂ¡rias para proteger a integridade das conversas sobre as eleições”.

“Este Ă© um trabalho adicional Ă  imposiĂ§Ă£o regular e frequente de nossas regras, incluindo as para combater spam e manipulaĂ§Ă£o da plataforma, e Ă  detecĂ§Ă£o cada vez mais proativa de potenciais violações a elas.”

Segundo dados divulgados recentemente pela plataforma, dos 238 milhões de perfis ativos na rede, 5% sĂ£o automatizados. O dado Ă© contestado pelo bilionĂ¡rio Elon Musk, que decidiu cancelar a compra da plataforma ao alegar falta de transparĂªncia do Twitter sobre perfis falsos.

Karina defende uma regulaĂ§Ă£o “ao estilo folow the money“, que Ă© seguir o dinheiro de quem financia essas campanhas coordenadas “porque o mercado da desinformaĂ§Ă£o no Brasil Ă© muito bem estruturado”.

“Em cenĂ¡rio eleitoral, esse uso pode ter um impacto direto na decisĂ£o de voto do eleitor, o que Ă© muito preocupante”, conclui.