Bolsonaro libera rádios comunitárias e monta rede de simpatizantes

Entre março e abril, ele enviou ao Congresso autorizações para o funcionamento de 440 estações comunitárias nos rincões e periferias do País

Bolsonaro libera rádios comunitários e monta rede de simpatizantes

Publicado em: 26/07/2020 às 15:53 | Atualizado em: 26/07/2020 às 15:56

O presidente Jair Bolsonaro bateu o recorde de liberações de rádios comunitárias nesta década.

Entre março e abril, ele enviou ao Congresso autorizações para o funcionamento de 440 estações comunitárias nos rincões e periferias do País, parte delas renovação de emissoras que já estão no ar.

A quantidade supera as 302 outorgas do governo Dilma Rousseff, em 2013.

Muitos dos canais liberados pelo atual governo têm indícios de atividades políticas.

 

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O Estadão identificou entre os representantes formais dessas rádios pessoas que são ou foram filiadas a partidos e já concorreram ou se elegeram para cargos de vereador e prefeito por legendas do Centrão, como Republicanos, Progressistas, PSD e PL.

Há também dirigentes dessas rádios em siglas menores, entre as quais o PSC, o PROS e o Patriota.

A política faz parte do cotidiano das emissoras.

No último dia 14, ouvintes da Rádio Top FM, em Catalão, Goiás, foram surpreendidos com uma discussão ao vivo.

Ao saber que o adversário e ex-prefeito Jardel Sebba (PSDB) daria entrevista, o vereador Rodrigão (SD) invadiu o estúdio.

O locutor Mamede Leão tentou impedi-lo, sem sucesso.

“O dono da rádio sou eu, Mamede. Jardel não fala hoje aqui, não”, disse o vereador.

O locutor reagiu: “Mas o programa não é seu, Rodrigão”.

O programa saiu do ar no dia seguinte.

Atualmente, há 4,6 mil rádios comunitárias em operação legal.

O “boom” mais recente ocorreu no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-presidente mantém o recorde de outorgas, com 630 liberações em 2009 – a Câmara faz esses registros há 16 anos.

 

Visão mudou

 

Na campanha de 2018, a equipe de Bolsonaro avaliava que as rádios comunitárias eram “focos petistas” e serviam para divulgar ações de vereadores, prefeitos e deputados ligados ao partido.

Agora, a visão do Planalto mudou.

Representantes do setor disseram à reportagem que o governo ainda não teve tempo de formar uma rede de emissoras simpatizantes, mas já usa a liberação de outorgas – uma demanda represada da área – como moeda de troca no Congresso.

 

Lei proíbe ligações partidárias e religiosas

 

A lei veda o vínculo das associações outorgadas com rádios com agremiações partidárias ou religiosas.

Acaba, no entanto, não alcançando ligações informais.

A Rádio Elshadday FM, do Recife, foi uma das renovadas neste ano.

Ela é dirigida por Marcelo Elshadday, pastor da Igreja Evangélica Internacional Elshadday, fundada pelo apóstolo Marcos Campelo.

O líder religioso, que já tentou ser vereador em 2008 e 2012 pelo PSL e pelo PPS, usa a emissora para atrair fiéis.

“Quero convidar você para estar hoje comigo, com o pastor, em um culto de unção e libertação”, afirmou Campelo em recente transmissão.

Apesar das coincidências, o apóstolo disse ao Estadão não haver vínculo.

O pastor Elshadday, por sua vez, reforçou que são coisas distintas.

“Não é vínculo, a rádio é aberta para qualquer pessoa.”

 

Ministro diz que fará ‘peneira’ 

 

O governo afirmou que as análises de pedidos de outorga de rádios comunitárias seguem ritos “estritamente técnicos e jurídicos”.

Atualmente, há cerca de 7 mil processos relacionados a outorgas de serviços de radiodifusão em geral em trâmite.

Destes, estima-se que 5 mil estejam na Presidência.

 

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