Bolsonaro usa Mendonça no STF para segurar apoio de evangélicos

A nomeação de Mendonça tem objetivo de engajar bispos e pastores na campanha à reeleição

Publicado em: 03/12/2021 às 13:26 | Atualizado em: 03/12/2021 às 13:27

Durante quase oito horas, o pastor André Mendonça encenou o papel de jurista terrivelmente laico.

Das 9h31 às 17h26 de quarta-feira, ele prometeu não misturar a Bíblia com a Constituição. A performance garantiu os votos que lhe faltavam para assumir uma cadeira no Supremo.

Aprovado pelo Senado, o futuro ministro suspendeu o teatro. Às 19h46, já voltou a discursar como se estivesse no púlpito.

“Glórias a Deus por essa vitória. É um passo para um homem, um salto para os evangélicos”, congratulou-se.

O Neil Armstrong de Miracatu não pisou na lua, mas chegou ao olimpo do Judiciário. Sua escolha representa mais um pontapé do bolsonarismo nas instituições. Pela primeira vez, um presidente usa a indicação ao Supremo como arma de barganha eleitoral.

A nomeação de Mendonça tem um objetivo claro: engajar bispos e pastores na campanha à reeleição.

Com a popularidade em queda, Jair Bolsonaro precisa recuperar força entre os evangélicos. Em 2018, ele recebeu sete em cada dez votos do segmento. No último Datafolha, apareceu apenas quatro pontos à frente de Lula entre os fiéis.

O lobby religioso jogou pesado para emplacar o ministro “terrivelmente evangélico”.

Como informou Lauro Jardim, as igrejas mobilizaram oito jatinhos para levar senadores a Brasília. O pastor Silas Malafaia, que trocou Eduardo Cunha por Bolsonaro, ameaçou retaliar quem votasse contra o indicado.

O tempo dirá como Mendonça vai se comportar no Supremo, mas seu histórico fala mais que o discurso ensaiado para a sabatina.

Como advogado-geral, ele pôs a religião à frente da ciência e da lei. Numa fase crítica da pandemia, tentou derrubar decretos que vetavam aglomerações em templos. Chegou a dizer que os cristãos estariam “dispostos a morrer” pela fé.

Além de abraçar o negacionismo, o pastor liderou investidas autoritárias do governo.

Usou a Lei de Segurança Nacional contra jornalistas e acionou a PF para constranger críticos do chefe, a quem se referia como “profeta”. Ele ainda tentou liberar operações policiais em universidades. O pretexto: combater o “viés ideológico” de professores.

Ao chancelar o novo indicado de Bolsonaro, o Senado permite que ele dê mais um passo no plano de domesticar o Supremo, cujos ministros já chamou de “imbecis”.

Leia mais na coluna de Bernardo Franco Mello em O Globo

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Foto: Alan Santos/PR