Os procuradores da República que fizeram parte da agora extinta força-tarefa da Lava Jato no Paraná negaram, em nota publicada nesta 2ª feira (8.fev.2021), que tenham cometido qualquer ilegalidade em cooperação internacional durante investigações.
“Nenhum documento foi utilizado pela operação sem ter sido transmitido pelos canais oficiais, ressalvadas situações de urgência informadas nos autos”, afirmam.
Conversas atribuídas ao ex-juiz federal Sergio Moro e ao procurador da República Deltan Dallagnol indicam que a força-tarefa e o magistrado trocavam informações e buscavam orientações de procuradores norte-americanos.
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A troca de mensagens foi obtida por hackers que invadiram celulares de autoridades brasileiras, como de Moro e procuradores.
Arquivos das conversas foram apreendidos na operação Spoofing e tiveram o sigilo suspenso na última 2ª feira (1º.fev.2021), após o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), conceder à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acesso às conversas.
O material tem, ao todo, 50 páginas.
Em conversa de 4 de novembro de 2015, apresentada na página 4 do documento, Moro pede a Deltan Dallagnol para fazer “contato direto” com autoridades dos Estados Unidos e colocar procuradores norte-americanos para “trabalhar” em cima de uma ação da Justiça em relação a um processo da Lava Jato.
De acordo com o decreto 3.810/01, referente ao Acordo de Assistência Judiciária em Material Penal entre os governos do Brasil e dos EUA, uma cooperação internacional deve passar autoridades centrais designadas pelos 2 países. No caso do Brasil, seria o Ministério da Justiça, e no caso dos EUA, o DoJ (Departamento de Justiça). Além disso, a troca de todos documentos relacionados à cooperação deve ser registrada. Com isso, o “contato direto” com autoridades norte-americanas solicitado por Moro, então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, a Dellagnol pode ser considerado ilegal.
Segundo os procuradores, as mensagens “são fruto de atividade criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passíveis de edições e adulterações” . Eles reafirmam que não reconhecem as supostas conversas. Para eles, o conteúdo foi editado ou deturpado para que fosse possível fazer falsas acusações contra a força-tarefa.
Os ex-integrantes da Lava Jato afirmam ainda que para o intercâmbio de informações entre países, antes da formalização de um pedido formal por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável e legal que as autoridades mantenham contatos informais e diretos.
“A cooperação informal significa que, antes da transmissão de um pedido de cooperação, as autoridades dos países envolvidos devem manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas” , argumentam.
“A troca de informações de inteligência e a cooperação direta entre autoridades estrangeiras é absolutamente legal e constitui boa prática internacional, incentivada por recomendação do Conselho da Europa, pelos manuais da AGU (Advocacia Geral da União), Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional), UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), Uncac (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção), Banco Mundial, dentre outros organismos internacionais, bem como constitui orientação da 2a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), e é aceita pelo Judiciário brasileiro”, afirmam.
Os procuradores afirmam que, embora não reconheçam o conteúdo das conversas, verificam nas mensagens apresentadas “a deturpação de sua interpretação” . E afirmam: “Dela não se extrai qualquer significado possível no sentido de que seriam usados documentos tramitados fora dos canais oficiais” .
Na nota, eles mencionam mensagens relacionadas a uma cooperação entre Brasil e a Suíça e reportagem do UOL que diz que a “Lava Jato usou provas ilegais do exterior para prender futuros delatores” , publicada em 27 de setembro de 2019 em parceria com o The Intercept Brasil. A conversa indica que procuradores da Lava Jato tiveram reunião secreta em Curitiba com investigadores suíços.
Os procuradores afirmam que, segundo o texto das próprias questionadas mensagens, o então coordenador da Lava JatoDeltan Dallagnol afirma que o material indicado por procurador suíço poderia ser utilizado para fins de investigação após passar pelos canais oficiais. “É contraditório alegar, com base nas supostas mensagens, que procuradores fariam uso de qualquer informação sem sua passagem por canais oficiais”, defendem.
Em relação à reportagem do UOL , os procuradores afirmam que obtiveram o direito de resposta por decisão da 11ª Vara Cível de Curitiba, e somente aguardam o julgamento de apelação.
“Nenhum documento foi utilizado judicialmente pela força-tarefa Lava Jato sem ter sido transmitido pelos canais oficiais. Isto é fato que pode ser facilmente constatado em todos os processos da operação. Somente em situações de urgência, quando expressamente autorizado pelas autoridades estrangeiras, conforme permite a respectiva legislação, pode haver a remessa de dados por meio mais expedito e sua utilização judicial para fins cautelares. Todas as vezes em que isso ocorreu, as defesas foram informadas em momento posterior e puderam trazer seus argumentos contrários, casos em que a legalidade da cooperação foi reconhecida pelos Tribunais”, afirmam.
Os ex-integrantes da Lava Jato argumentam ainda que o contato direto com autoridades internacionais é uma das recomendações do Conselho da Europa: “Independentemente das funções atribuídas a outros órgãos em questões relacionadas com a cooperação jurídica internacional, o contato direto entre os membros do ministério público de diferentes países deve ser fomentado, no quadro das convenções internacionais em vigor, quando as houver, ou, na sua falta, com base em acordos de ordem prática que devem ser fomentados” .
Com base na recomendação, segundo os procuradores, a Corregedoria do MPF decidiu que os contatos prévios à formalização de pedidos de cooperação em matéria jurídica internacional “são meios adequados para o esclarecimento de dúvidas e exames sobre a viabilidade do pedido a ser formalizado” . Estabeleceu ainda que, “no âmbito do MPF, o contato com autoridades internacionais para o fim de viabilizar a troca de informações em fatos criminais de interesse entre os 2 países não é restrito ao acionamento da autoridade central, tampouco à Secretária de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República” .
De acordo com o MPF, somente na Lava Jato, foram feitos 653 pedidos de cooperação de 61 países e foram realizados 597 pedidos a 58 países. Cooperações internacionais da operação já resultaram em mais de R$ 4,3 bilhões devolvidos aos cofres públicos.
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Foto: José Cruz/Agência Brasil