Manaus pode ter alcançado imunidade coletiva ao coronavĂrus
Ela Ă© alcançada quando o vĂrus nĂ£o consegue mais continuar a se propagar com força, porque nĂ£o hĂ¡ pessoas vulnerĂ¡veis em nĂºmero suficiente para sustentar uma epidemia

Publicado em: 21/08/2020 Ă s 07:58 | Atualizado em: 21/08/2020 Ă s 07:58
Manaus pode ter alcançado a imunidade coletiva ou de rebanho contra o coronavĂrus, dizem cientistas, segundo reportagem do O Globo.
Ela Ă© alcançada quando o vĂrus nĂ£o consegue mais continuar a se propagar com força, porque nĂ£o hĂ¡ pessoas vulnerĂ¡veis em nĂºmero suficiente para sustentar uma epidemia.
O nĂºmero de casos diĂ¡rios caiu e nĂ£o voltou a crescer significativamente, por mais de um mĂªs, no de Rio de Janeiro, SĂ£o Paulo e Manaus.
No mundo, Nova York, Londres e Mumbai sĂ£o exemplos.
PadrĂ£o
O padrĂ£o observado nesses lugares em nada surpreende a biomatemĂ¡tica portuguesa Gabriela Gomes, da Universidade de Strathclyde, na EscĂ³cia.
Ela Ă© a lĂder do grupo de epidemiologistas que desde março defende que o limiar da imunidade coletiva para o Sars-CoV-2 Ă© de cerca de 20% — e nĂ£o de 70%, como indicavam os modelos tradicionais.
Gabriela explica que o limiar nĂ£o Ă© o mesmo em todos os paĂses e varia atĂ© mesmo dentro deles.
Principalmente em paĂses grandes como o Brasil e os Estados Unidos.
A imunidade coletiva Ă© modulada pelo distanciamento social.
NĂ£o se pode olhar um paĂs como um todo e cada regiĂ£o dentro dele terĂ¡ um limiar, diz ela.
“SĂ³ teremos imunidade coletiva ampla com vacina. Mas a força da pandemia jĂ¡ estĂ¡ reduzida em algumas partes do mundo, como na Europa e em parte da China. TambĂ©m em regiões dos EUA e do Brasil, onde cada estado deve ser pensado como um paĂs. Estamos mais prĂ³ximos de voltar Ă normalidade. É importante que isso seja comunicado Ă s pessoas”, frisa ela
Segundo Gabriela, Manaus, Rio de Janeiro e SĂ£o Paulo parecem caminhar para a imunidade coletiva.
Nesses lugares, o distanciamento social foi limitado ou baixo, nĂ£o houve rastreamento de contatos.
Ainda assim, o nĂºmero de novos casos caiu e, segundo Gabriela, isso Ă© sugestivo de imunidade coletiva.
Imunidade de rebanho nĂ£o deve orientar polĂticas de governo
Cientistas fazem a ressalva de que a imunidade coletiva Ă© um indicador de tendĂªncia da pandemia, mas nĂ£o deve orientar polĂticas de governo.
AtĂ© porque paĂses severamente afetados pelo coronavĂrus, como Espanha e Brasil, nĂ£o tĂªm mais do que 10% da populaĂ§Ă£o infectada, o que faz com que o nĂºmero de vulnerĂ¡veis seja imenso.
Pesquisadores discutem se tal imunidade foi de fato alcançada e quanto tempo vai durar, jĂ¡ que nĂ£o se sabe o quĂ£o prolongada Ă© a defesa adquirida contra o coronavĂrus.
Além disso, mesmo com imunidade coletiva, muitas pessoas ainda podem morrer de Covid-19. Continua a haver casos, porém, em menor quantidade.
No Brasil especificamente, outra possibilidade Ă© de que a doença agora se propague mais entre os jovens, que saĂram do distanciamento. Eles sĂ£o infectados, mas raramente adoecem com gravidade e, como a testagem Ă© baixĂssima no paĂs, esses casos nĂ£o sĂ£o notificados.
A OMS alertou esta semana para o risco de ressurgĂªncia na Europa.
Nas duas primeiras semanas de agosto, a Europa registrou 40 mil novos casos a mais do que nas duas primeiras semanas de junho, quando os casos chegaram a seu nĂvel mais baixo.
ContaminaĂ§Ă£o em ritmo lento
Integrante do grupo de Gabriela Gomes, Rodrigo Corder, doutorando do Instituto de CiĂªncias BiomĂ©dicas da Universidade de SĂ£o Paulo (ICB/USP), explica que a imunidade coletiva nĂ£o Ă© o momento em que a infecĂ§Ă£o acaba, mas, sim, quando ela passa a se espalhar mais devagar.
“E mesmo quando Ă© atingida, o distanciamento social e a mĂ¡scara sĂ£o necessĂ¡rios para que continue a reduzir efetivamente e nĂ£o tenhamos uma subida de casos. Enquanto nĂ£o temos vacina, o melhor cenĂ¡rio Ă© interromper a transmissĂ£o dessa forma”, enfatiza Corder.
Ele acrescenta que se hĂ¡ muitos casos, ocorre uma queda, e, mesmo com o fim das restrições de distanciamento, o nĂºmero de novas infecções nĂ£o voltar a subir, pode-se dizer que a imunidade coletiva foi atingida.
“Temos que retomar a nossa vida com cuidado. Voltar Ă s escolas, Ă s empresas, Ă s compras, mas com controle do distanciamento e vigilĂ¢ncia sobre surtos”, diz Gabriela.
Modelo complexo
O modelo de projeĂ§Ă£o do grupo dela Ă© baseado num cĂ¡lculo complexo que leva em conta a heterogeneidade da populaĂ§Ă£o, isto Ă©, que as pessoas tĂªm graus de exposiĂ§Ă£o (mobilidade, atividade profissional) e suscetibilidade (idade ou doenças prĂ©-existentes, por exemplo) diferentes.
Para ela, os modelos tradicionais tendem a superestimar a magnitude da pandemia porque partem do princĂpio que a populaĂ§Ă£o Ă© homogĂªnea, fazem simplificações.
“Simulamos epidemias com diferentes coeficientes de infecĂ§Ă£o e calibramos Ă medida que os dados vĂ£o surgindo. É um cĂ¡lculo mais complexo, nĂ£o foi bem aceito de inĂcio, mas creio que a realidade validou nosso modelo, os nossos resultados se confirmaram. As pessoas estĂ£o vendo que o nĂºmero de casos novos estĂ¡ baixando”, afirma ela.
O estudo inicial deles foi com Espanha, Reino Unido, Portugal e Bélgica.
Agora, os cientistas se debruçam em outros paĂses, entre eles o Brasil.
“HĂ¡ surtos em toda a Europa, mas nĂ£o Ă© uma segunda onda. SĂ£o surtos que podem ser controlados. NĂ£o serĂ¡ como no primeiro semestre”, diz Gomes.
Pessoas mais vulnerĂ¡veis podem acabar mais expostas
A imunidade coletiva natural Ă© diferente daquela alcançada com uma vacina e nĂ£o Ă© garantia contra a pandemia.
Na natural, como a populaĂ§Ă£o tem diferentes graus de exposiĂ§Ă£o e vulnerabilidade, os suscetĂveis restantes acabam expostos a um vĂrus que ainda circula.
PorĂ©m, o ritmo de propagaĂ§Ă£o diminui.
Na obtida por meio de vacinaĂ§Ă£o Ă© possĂvel homogeneizar a populaĂ§Ă£o e proteger os vulnerĂ¡veis.
“Em nenhum momento dissemos que distanciamento social e mĂ¡scara sĂ£o desnecessĂ¡rios. Sem eles, o sistema de saĂºde teria colapsado. Neste momento, tudo precisa ser feito com enorme cautela. A retomada precisa ser lenta e gradual para nĂ£o expor todos os vulnerĂ¡veis de uma vez, pois o vĂrus continua a circular”, observa Corder.
Gabriela Gomes diz que os resultados mais otimistas, como o sinalizado pelo estudo de seu grupo, tĂªm sido aceitos com mais dificuldade, com o argumento de nĂ£o dar falsas expectativas.
“Discordo dessa visĂ£o. Se as pessoas pensarem que hĂ¡ mais chance, mais luz no fim do tĂºnel, se souberem que farĂ£o um sacrifĂcio por um ano, elas respeitariam mais as regras. As pessoas estĂ£o sufocadas em casa e pensam que ficarĂ£o assim por tempo indeterminado. Talvez se nĂ£o houvesse esse viĂ©s, as pessoas nĂ£o ficassem tĂ£o polarizadas”, diz a cientista.
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