Médicos denunciam que Hapvida obriga a receitar cloroquina

"Reforço a importância do uso da hidroxicloroquina", escreveu um dos coordenadores da operadora Hapvida no interior de São Paulo

Médicos denunciam que Hapvida obriga a receitar cloroquina

Diamantino Junior

Publicado em: 17/08/2020 às 07:25 | Atualizado em: 17/08/2020 às 07:30

Uma das maiores operadoras de saúde do Brasil, Hapvida é acusada de pressionar médicos a prescrever medicamento sem comprovação cientifica e desaconselhado por várias entidades.

“Reforço a importância do uso da hidroxicloroquina”, escreveu um dos coordenadores da operadora Hapvida no interior de São Paulo.

A mensagem foi compartilhada no fim de julho em grupos de WhatsApp de médicos que prestam serviços à empresa, uma das maiores da área de saúde privada do país, na região de Ribeirão Preto (SP).

“Estamos revisando os prontuários diariamente, estamos vendo que alguns colegas não estão prescrevendo”, afirmou o coordenador, que também é médico.

 

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Ainda na mensagem, ele foi enfático sobre a prescrição do medicamento.

“A partir de hoje, TODOS os pacientes irão sair com a medicação da hidroxicloroquina (exceto os contraindicados)”, afirmou.

No texto, ele ressaltou que o remédio deve ser entregue até mesmo ao paciente que assinar um termo de recusa da medicação, “para caso, no futuro, mude de ideia”.

Em outra mensagem, o mesmo coordenador afirma que os médicos que não concordarem com a prescrição da hidroxicloroquina podem ser substituídos nos plantões da Hapvida.

As mensagens de WhatsApp às quais a BBC News Brasil teve acesso, confirmadas por médicos que prestaram serviços à empresa, ilustram as cobranças relatadas por profissionais do plano de saúde para prescrever hidroxicloroquina em casos de covid-19.

O medicamento é desaconselhado por diversas entidades de saúde internacionais e nacionais, após inúmeros estudos apontarem que é ineficaz contra o coronavírus e pode trazer riscos ao paciente.

A operadora nega que haja pressão e diz que seus médicos são livres para escolher a melhor linha de tratamento para seus pacientes.

A reportagem apurou que as mesmas mensagens do coordenador da região de Ribeirão Preto foram compartilhadas em, ao menos, três grupos de WhatsApp de profissionais que atuam no Grupo São Francisco, rede do interior de São Paulo que foi comprada pela Hapvida no ano passado por R$ 5 bilhões.

“Eu não queria prescrever hidroxicloroquina a pacientes com a covid-19 porque não é um medicamento aconselhado por entidades de saúde”, conta o médico Mauro*, que relata ter sido dispensado pela Hapvida por não concordar com o uso do remédio contra o coronavírus.

Os relatos de cobrança sobre a hidroxicloroquina não se restringem às unidades da Hapvida em São Paulo.

 

Alvo de investigações

 

A operadora de saúde, que está em diversas regiões do país, é alvo de investigações no Ceará, pelo Ministério Público e pelo Conselho Regional de Medicina, após um médico relatar que foi desligado da empresa ao se recusar a prescrever a medicação.

Em nota à BBC News Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) afirma  desconhecer casos de cobrança de empresas para a prescrição de determinado medicamento. Porém, a entidade frisa que essas situações devem ser denunciadas.

“O princípio que deve, obrigatoriamente, nortear o tratamento do paciente é o da autonomia do médico”, diz comunicado da instituição.

A Hapvida nega qualquer pressão para que os médicos receitem a hidroxicloroquina.

A empresa argumenta que adotou o remédio no tratamento contra o coronavírus por “haver evidências” de que a droga pode ajudar no combate ao vírus.

‘Queriam obrigar a prescrever’ Logo no início da pandemia do novo coronavírus, diversos planos de saúde e hospitais públicos passaram a adotar a cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento da covid-19.

As pesquisas iniciais apontaram possível benefício do medicamento, tradicionalmente usado em casos de doenças como malária e lúpus, contra sintomas do Sars-Cov-2, nome oficial do vírus.

Em abril, a Hapvida comercializou a hidroxicloroquina por R$ 18, a preço de custo, para os pacientes.

No mês seguinte, adquiriu milhares de unidades do medicamento e passou a entregá-lo gratuitamente aos seus clientes.

 

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Foto: BNC Amazonas