O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, afirmou nesta quarta-feira (13) que o setor não defende novos subsídios e criticou a politização do anúncio do fechamento das fábricas da Ford no Brasil.
Segundo dados da Receita Federal, o setor automotivo acumula mais de R$ 50 bilhões em subsídios desde 2002.
O dirigente da entidade apontou incentivos tributários como uma forma de corrigir distorções do sistema de impostos brasileiro.
Foi o primeiro posicionamento da entidade após o anúncio do fim da produção da montadora americana no Brasil, na segunda-feira, e da reação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que afirmou na terça-feira que a “Ford não disse a verdade, querem subsídios”.
“A gente não quer subsídios, quer competitividade. Estamos há anos mostrando medidas que precisam ser feitas para melhorar a competitividade no Brasil”, afirmou Moraes, em entrevista.
Antes dessa declaração, ele citou todos os alertas que a Anfavea fez desde abril de 2019, pedindo reforma tributária, mostrando comparativos que indicam que o custo de produzir no Brasil é, por exemplo, 18% maior que no México, melhoria do ambiente econômico e atacando o “manicômio tributário” do Brasil.
O fechamento de três fábricas da Ford no Brasil e a reorganização de sua produção na América do Sul em fábricas de paises vizinhos, como Argentina e Uruguai, deve provocar o fim de cerca de 5 mil postos de trabalho.
‘Black Friday’ dos impostos
O presidente da Anfavea comparou os incentivos fiscais no Brasil à estratégia de muitas varejistas na Black Friday: elevar preços na véspera para oferecer grandes descontos na promoção.
Usando essa analogia, ele afirmou que os impostos no Brasil são tão elevados, que, em sua opinião, eventuais “subsídios” apenas trazem os tributos para uma taxa mais adequada.
“O custo do Estado é muito pesado, ninguém aguenta mais pagar imposto. E daí vêm pessoas falar em subsídio. Na verdade é igual ao que eu falei da Black Friday: aumenta o preço para dar o desconto. Vamos ser honestos: é impossível desenvolver uma indústria com esta carga tributária”, disse Moraes.
Moraes afirmou que não há excesso de subsídios do setor no Brasil. Ele disse que o país teve o Inovar Auto, programa que permitia às empresas creditar 30% do investimento em pesquisa e desenvolvimento, que foi substituído pelo Rota 2030, que reduziu este percentual para 12,5%, sendo compensado apenas para as montadoras que derem lucro.
O representante das montadoras disse que estes incentivos geraram carros 12% mais eficientes, o que significou uma redução de R$ 7 bilhões anuais de custo de combustíveis dos consumidores, além da redução do impacto ambiental dos carros.
Incentivos já foram questionados na OMC
Em 2015, o Brasil foi alvo de questionamentos da União Europeia e do Japão na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre os subsídios ao setor automotivo contidos em políticas de incentivo a setores industriais, entre eles o automotivo.
Um painel da OMC para contenciosos entendeu que sete programas eram incompatíveis com as normas do organismo para o comércio internacional. Entre eles, estava o Inovar Auto, substituído em 2017 pelo Rota 2030.
No fim de 2018, o Brasil obteve vitória parcial no contencioso. A OMC reverteu parte das condenações contra os programas de incentivo fiscal no país e pediu ajustes.
Moraes argumentou que benefícios à inovação existem em países como Alemanha ou Estados Unidos, embora com outros formatos. Além disso, ele afirma que há apenas subsídios regionais, para tornar mais uniforme a industrialização do Brasil, definidos pelo Congresso.
“Estão politizando um tema muito sério”, concluiu.
Moraes afirmou ainda que as montadoras trouxeram ao Brasil de forma líquida, descontando remessas de lucros, US$ 24 bilhões na última década.
Ele disse também que, com os anúncios do fim da produção da Mercedes Benz, em dezembro, cinco fábricas serão fechadas e a capacidade instalada no país passa de cinco milhões de automóveis por ano para algo entre 4,5 milhões e 4,7 milhões anuais.
“Há duas formas de se resolver a ociosidade do setor: ou melhoramos a competitividade, resolvemos os problemas estruturais e retomamos o crescimento econômico e ampliamos as exportações, ou fechamos fábricas”.
Debate inócuo
Especialistas questionam a lógica de ver os subsídios como uma forma de se compensar os elevados impostos no Brasil. Cláudio Frischtak , sócio da Inter.B — Consultoria Internacional de Negócios, afirma que o debate pode ser inócuo:
“Acreditar que o argumento de que a carga tributária sobre a indústria automobilística é muito grande e que o subsídio é uma forma de compensar isso é uma discussão, em certa medida, meio bizantina, onde todo mundo tem razão e onde ninguém também tem razão, e não leva a nada”, afirma.
Ele não nega o peso dos tributos. Ao contrário: lembra que a carga tributária brasileira é, em média, de 10% a 15% acima da média de outros países de renda média. Mas, por outro lado, ele acredita que os subsídios, que foram utilizados primeiro para incentivar a industrialização no Brasil, depois seu crescimento e, em um terceiro momento a descentralização no país, distorcem a economia.
E que essas política industrial, baseadas em subsídios ou no que chama o economista e diretor-presidente do Insper, Marcos Lisboa, de “política da meia entrada”, é muito defasada e com a cara dos anos 1960:
— O problema maior não é esse, mas que a indústria no Brasil, por uma série de circunstâncias, se desatualizou e isso é algo mais estrutural. O Tributo é possível de se mudar, mas a fronteira dessa indústria automobilística se afastou do Brasil e não conseguimos colocar o Brasil na fronteira da inovação. Você resolve o problema da indústria quando olha o que ocorreu nas últimas décadas no mundo, ela inovou e se integrou muito. A nossa, não, o máximo que fez foi se integrar com a Argentina, no Mercosul. Ou teremos uma indústria integrada globalmente ou ela não sobrevive, ou vai sobreviver de esmola, de subsídio — disse ele.
O pesquisador Sérgio Lazzarini, do Insper, afirma que essa polêmica sobre os subsídios piora o ambiente de negócios e a competitividade do país. Ele lembra que a indústria reclama do Custo Brasil e da tarifa, mas na hora de negociar uma localização, ou falar com um governo, sempre se quer uma redução fiscal.
Em sua visão, para se beneficiar um setor ou uma empresa, há pressão tributária na outra ponto, a geração de um custo fiscal, o que força um aumento generalizado de impostos ou impede uma racionalização dos tributos:
— Fica o cachorro correndo atrás do rabo, você pede medidas compensatórias para um problema que nunca se resolve — afirmou.
Lazzarini afirma, ainda, que subsídios não cumprem seus objetivos:
“Muitas destas reduções tributárias, ou créditos subsidiados, como tínhamos com o BNDES, tinha pouco acompanhamento de sua efetividade. O Inovar-Auto, instituído no governo Dilma Rousseff para dar isenções tributárias em pesquisa e desenvolvimento, além de ser condenado pela Organização Mundial de Comércio (OMC), não gerou resultados, ao contrário, o investimento em pesquisa e desenvolvimento caiu depois que ele foi implementado”, disse o professor do Insper.
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Ele lembra que muitas empresas pegam recursos subsidiados e a utilizam para ganhos financeiros, não aplicam efetivamente em investimento e produtividade. Ele afirma que a indústria brasileira é muito focada em proteção ao produto do exterior, o que é, em sua opinião, um paradoxo no setor automotivo, formado no Brasil apenas por multinacionais estrangeiras.
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